Portugal não esquece o Rio. Não esquece o Brasil.

Rio de Janeiro quer “engajar” Portugal no festejo dos seus 450 anos

Joana Vasconcelos fará uma escultura ao ar livre no Rio em 2015. Câmara de Lisboa, Fundação Gulbenkian, Torre do Tombo e Instituto Camões na agenda do presidente dos festejos, que visita Portugal este mês.
“O Rio é uma cidade muito portuguesa pelo falar, pela arquitectura, pelo povo. Já foi a maior cidade portuguesa do mundo”, nota Marcelo Calero, presidente do comité Rio450 Nelson Garrido
Uma escultura ao ar livre de Joana Vasconcelos, “feita para o Rio de Janeiro”, “provavelmente na Zona Sul” e “financiada por um patrocinador” vai integrar as comemorações oficiais dos 450 anos da cidade, em 2015, confirmou ao PÚBLICO a organização, que não quis adiantar, para já, o orçamento da obra nem o local exacto, apenas que a artista portuguesa “visitou pontos turísticos”. Mas o Comité Rio450, nomeado pelo prefeito Eduardo Paes e liderado pelo diplomata Marcelo Calero, quer atrair envolvimento português em várias frentes, e para isso o presidente do comité estará em Lisboa de 15 a 17 de Dezembro.
“É muito importante engajar Portugal, por ter fundado essa cidade”, disse Calero ao PÚBLICO, sexta-feira, depois de apresentar as comemorações, ao lado de Paes. A cerimónia, no Palácio da Cidade, em Botafogo, reuniu cerca de 300 convidados, desde animadores culturais com raízes no subúrbio, como o proactivo Marcus Faustini, aos capuchinhos que guardam na sua igreja da Tijuca as relíquias de Estácio de Sá, capitão português oficialmente fundador do Rio de Janeiro, a 1 de Março de 1565.O diálogo entre o comité carioca e as autoridades portuguesas avançou há cerca de um mês, diz Calero, quando o secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier esteve no Rio. “Ele disse que gostaria que fôssemos a Portugal para conversar com instituições.” Fundação Gulbenkian, Torre do Tombo, Instituto Camões e Câmara de Lisboa estão já na agenda da visita, e as formas de colaboração podem variar entre republicações de textos ligados ao Rio a “um trabalho sobre a vertente do português falado” na cidade, exemplifica o presidente do comité.
“Essa comemoração é de Portugal também”, reforça Calero. “O Rio é uma cidade muito portuguesa pelo falar, pela arquitectura, pelo povo. Já foi a maior cidade portuguesa do mundo.” Num momento em que “Portugal está um pouco de cabeça baixa por causa da crise” fará ainda mais sentido “olhar do outro lado do Atlântico uma cidade que está num processo de renovação sem precedentes, que vai receber as Olimpíadas. Quantas cidades no mundo receberam as Olimpíadas? É essa mensagem que a gente leva aos portugueses, que vejam o grande feito que foi fundar essa cidade.”
Aos 32 anos, carioca da Tijuca, ex-advogado de uma multinacional, diplomata com passagem pelo México, depois responsável pelas relações internacionais e pelo cerimonial na prefeitura, Calero coincide inteiramente, no tom e no discurso, com a imagem da gestão Eduardo Paes, a de um Rio de grandes acontecimentos, entre a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que não hesita em se projectar como o melhor lugar do mundo.
Rejeita, porém, a ideia de que se trate de “uma coisa ufanista”, a começar pela fundação da cidade. “Evidente que houve o massacre dos índios. Houve muitos desafios nessa fundação. Mas foi um grande feito, e um feito português.”
“Todos e cada um”
No discurso durante a cerimónia, Marcelo Calero disse querer comemorar os 450 anos do Rio com “todos e cada um dos cariocas”. O Rio tem milhões de favelados ou pobres nos subúrbios da Zona Norte e Oeste, perde diariamente muitos jovens de forma violenta (30 mil assassinados por ano, dados da Aminstia Internacional), e 77% dos jovens que morrem são negros. Tudo isto comprova diariamente a dificuldade que é viver numa cidade que, entretanto, na sua Zona Sul, pratica preços de Tóquio, e teme o aumento da violência a cada dia. Para além disso, os protestos de 2013 revelaram a emergência de novas formas de contestação. A tensão política é bem maior do que quando Paes foi reeleito, há dois anos.
Como pretende Calero envolver “todos e cada um” neste contexto? “Os eventos dos 450 anos reflectem a cultura dos bairros de uma forma inclusiva, aberta, não se trata de impor uma linha de pensamento”, diz o diplomata ao PÚBLICO. “A gente tem instrumentos práticos para isso, como editais [concursos] de acções locais. Pela primeira vez no Brasil temos uma política pública para artistas desenvolverem cultura no seu bairro. Serão quatro milhões de reais [1,25 milhões de euros] para 85 projectos de pessoas físicas [ou seja, não de empresas] em 2015.” A selecção estará aberta até Janeiro, e esses 85 projectos vão somar-se aos cerca de 200 já agendados para 2015.
“Não se trata de fazer eventos de cima para baixo, mas de estar presente em cada esquina. O Rio450 faz com que a população ganhe o palco, com a participação da sociedade civil.”
O calendário dos 450 anos centra-se em seis categorias: arte, desporto, seminários, música, festivais e aquilo a que os organizadores chamam presentes, na lógica de que se trata de um aniversário. Um exemplo será o Pavilhão Rio450, com uma “exposição interactiva” sobre a história e a paisagem da cidade.

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