Opinião


Mauro Santayana
O MÉXICO E A AMÉRICA DO SUL

A consolidação da UNASUL, a morte do “ibero-americanismo”, e o velho acordo dos porcos com as galinhas para vender ovos com bacon.
Incendiado pelos protestos contra o desaparecimento, tortura e assassinato de 43 estudantes de esquerda por um prefeito direitista e corrupto do estado de Guerrero, aliado a narcotraficantes, o México encerrou, esta semana, na cidade portuária de Veracruz, a XXIV Cúpula Ibero-americana, que foi, como as edições anteriores desse evento criado por mexicanos e espanhóis na década de 90, para tentar ampliar sua influência na América Latina, um rotundo fracasso, marcado pela ausência de numerosos chefes de estado, entre eles os da Argentina, Brasil, Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela, por parte da América do Sul.

Conquistado e colonizado pelos espanhóis, o país dos Aztecas foi o primeiro da América Latina a sofrer a influência direta da ascensão anglo-saxã no Novo Mundo, depois da chegada dos ingleses ao norte de suas fronteiras, e pagou caro por isso, perdendo a metade do seu território para os EUA, e assumindo o triste destino de servir de barreira para a expansão dos gringos rumo ao sul, em um contexto que encontrou sua melhor tradução na famosa frase que uns atribuem ao revolucionário Lázaro Cárdenas, e outros, ao ditador, também mexicano, Porfírio Diaz:

“Pobre México. Tão longe de Deus, e tão perto dos Estados Unidos."

Essa constatação se traduziu, ao longo do tempo, para a população mexicana, em uma contradição permanente.

Por um lado, um povo valoroso e sofrido, e em sua maioria, miserável. Por outro, uma elite rica e irresponsável que sempre explorou o país de forma cruel e desumana, em subalterno conluio e a serviço dos interesses do poderoso vizinho do Norte.

Há hoje dois tipos de mexicanos:

Aqueles que suam, trabalhando horas a fio em pé, no campo e nas linhas de montagem das “maquiadoras” que retocam produtos vindos de fora com destino aos EUA, e que muitas vezes se insurgem contra a injustiça e a entrega do país, e os que oxigenam o cabelo e compram lentes de contato para clarear-lhes a íris, com a “naturalidade” dos “bonecos” e das “bonecas” que se veem nas novelas mexicanas.

Enquanto os primeiros são assassinados, como o foram os 43 estudantes de Iguala, os segundos gostariam que o México fosse absorvido de uma vez por todas pelos EUA, para que pudessem viajar entre Cancún e Miami sem precisar apresentar passaporte, desde que permanecessem de pé, ao longo dos 3.000 quilômetros de fronteira entre os dois países, os muros e as cercas que evitam a entrada de emigrantes pobres em território norte-americano. Os mesmos muros e cercas que separam, metaforicamente, mansões de 6 milhões de dólares, como a que foi comprada pela primeira-dama mexicana, Angelica Rivera, e os barracões de madeira e papelão em que vivem jovens operárias como as que são estupradas, assassinadas e “desovadas”, nos subúrbios de cidades como Juarez.

E há, também, dois tipos de México.

A nação rebelde da Revolução de 1910, que se recusou a romper relações com Cuba na Guerra Fria, e acolheu, nas décadas de 1960 e 1970, exilados de países sul-americanos; e o México abjeto e neoliberal do NAFTA, da Aliança do Pacífico e da cúpula “ibero-americana” desta semana.

A defesa do NAFTA, das vantagens do “livre comércio” e do “ibero-americanismo”, são caminhos complementares que obedecem, para a “elite” mexicana, aos seguintes objetivos:

- Romper o isolamento – principalmente com relação à América do Sul – a que o México se condenou, ao agregar-se, política e economicamente, à América do Norte, em 1994.

- Diminuir a crescente perda de influência do México no mundo, consolidando, com relação à América Latina, uma aliança com a Espanha, país que está sofrendo processo equivalente e tão acelerado quanto, de insignificância geopolítica e institucional.

- Nesse contexto, não apenas em proveito “próprio”, mas também dos EUA e de Madrid, combater, no âmbito político e no ideológico, a crescente influência do Brasil na América do Sul e na América Latina.

- Tentar romper, ao menos marginalmente, a excessiva dependência dos Estados Unidos, atraindo outros países da região para tratados de “livre-comércio” para aumentar as exportações dos produtos que “maquia”, contribuindo para ajudar a destruir, nesse processo, a indústria de nações concorrentes, como é o caso do Brasil, que possuem, industrialmente, uma taxa de conteúdo local muito mais elevada.

Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.

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