Mino pergunta:
querem o FHC de novo ?
“Se Aécio Neves vencer, teremos de admitir que brasileiro é o Demônio”
O
Conversa Afiada reproduz editorial de Mino Carta, extraído de
Carta Capital:
Se Aécio Neves vencer, teremos de admitir que brasileiro é o Demônio
Ao entrevistar Lula na semana passada,
recordei dois episódios do passado que envolvem Fernando Henrique
Cardoso. Tempos da greve de 1980 em São Bernardo e Diadema, momento da
mais expressiva resistência pacífica à ditadura. A primeira lembrança me
coloca ao lado de Lula em um bar de São Bernardo, às costas da fábrica
da Volkswagen. Chega FHC, faço menção de me retirar, e Lula diz “fica,
fica”. Em silêncio, ouço a peroração do príncipe dos sociólogos a favor
da moderação. Está claro que as arengas às dezenas de milhares de
trabalhadores aglomerados na Vila Euclydes o deixam bastante incomodado.
Orgulho-me de ter percebido no
então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos uma liderança capaz de
transcender o papel que então desempenhava. FHC também percebeu, mas
isto não o alegrou. A segunda lembrança confirma a primeira. O episódio
começa pela conversa telefônica Rio-São Paulo que costumava manter com
Raymundo Faoro nas manhãs de domingo. O amigo caríssimo gostaria de
galgar o palanque da Vila Euclydes e eu propus: “Venha, será uma honra
escoltá-lo”.
À chegada de Faoro no Aeroporto de
Congonhas um estranho indivíduo surgiu em cena. Emissário de FHC, e até
hoje não sei como soubera dos propósitos do meu amigo. Convidou-nos para
parar, a caminho de São Bernardo, na casa da mãe do sociólogo, onde o
próprio nos esperava e onde tomamos um chá em louça de Sèvres. Ele
sugeria que Faoro desistisse do seu intento. Não o convenceu, e ao cabo
nos comunicou que uma assembleia de autoridades nos aguardava no Paço
Municipal de São Bernardo. Fomos. Sentado à cabeceira de uma longa mesa
perfeitamente encerada, FHC reeditou seu apelo. Levantei-me e disse:
“Esta conversa não me diz respeito, eu estou aqui para cobrir um evento
relevante e vou cumprir minha tarefa”. Faoro seguiu-me, sem pronunciar
uma única, escassa palavra.
Aquele que, 18 anos após, compraria
votos de parlamentares para conseguir sua reeleição à Presidência da
República, esforçava-se com insólita paixão para impedir a presença de
uma personalidade do porte de Faoro no epicentro da greve, a avalizar a
ascensão de Lula. Passados 34 anos, FHC aí está, sombra compacta por
trás de Aécio Neves. Condescendente, generoso, ao esquecer uma frase
fatídica de vovô Tancredo: “Fernando Henrique é o maior goela da
política brasileira”. Não sei, aliás, se ao adversário de Dilma Rousseff
convém citar o ilustre avô: ele não tinha especial apreço pelo
tucanato.
Imaginar o retorno a FHC, em caso
de vitória de Aécio, é inevitável. De lancinante obviedade. Donde a
ameaça da tragédia, e creio não exagerar em vaticiná-la. Trágico seria o
retorno ao passado, com a vitória da reação mais medieval do mundo,
empenhada em manter de pé a casa-grande e a senzala. No debate de
terça-feira 14, Aécio pretendeu que os adversários insistissem no
conflito entre dois Brasis. São os tucanos, no entanto, que proclamam a
desinformação dos pobres no mesmo instante em que avulta a desinformação
dos ricos. Ou a hipocrisia. E, de todo modo, clamorosamente, o ódio de
classes.
Uma vitória de Aécio significaria o
enterro de uma política social nunca dantes praticada, por mais
insuficiente. De uma política exterior habilitada a desatrelar o Brasil
dos interesses de Washington em proveito dos nossos. Bem como o retorno a
uma política econômica de desbragada inspiração neoliberal, com todas
as implicações, a começar pelo corte do salário mínimo e a alteração da
CLT, de resto já anunciadas pelo candidato a ministro da Fazenda de
Aécio, Arminio Fraga, presidente do BNDES no governo do eterno goela. E
já que se fala de ameaça a uma herança getulista, não nos obriga a
espremer as meninges imaginar o triste destino reservado à Petrobras,
que o ex-presidente sociólogo pretendia privatar quando no poder, e ao
pré-sal, de súbito lotizado.
Há, nisso tudo, exercícios de puro
humorismo. Muitos, a bem da verdade factual. Citaria um apenas,
retumbante. Sustenta o aludido Arminio que a crise econômica global
arrefeceu de cinco anos para cá. Confia na ignorância dos nativos
abastados. Se houver dúvidas, sugiro uma investigação elementar junto às
Bolsas de todo o mundo diante do recrudescimento de uma situação
encerrada, conforme o ex-discípulo de George Soros e Fernando Henrique
Cardoso. O qual entende de economia como eu de numismática.
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