Opinião - Li no Noblat

Invasões bárbaras, por Tânia Fusco

Experimentei dias de silêncio. Não sem som ou palavras, mas sem os ruídos do mundo virtual. Dias de viver em autêntico tempo real. Só o aqui e agora dos budistas. Nada on-line. Nem os antigos e-mails ou compras e pagamentos com cartões de crédito. Conversas só as presenciais.
Incrível, não houve sensação de isolamento. O tempo é que foi se alargando. Rendeu mais. Como se as horas fossem maiores e coubessem mais coisas dentro delas. Como se eu, em câmera lenta, observasse a pressa dos outros. (Aliás, tanta pressa pra que mesmo?) Devagar eu não perdi hora. Verdade. Cumpri tudo certinho e, no fim do dia, eu não devia nada.
Não foi viagem de maluco. Nem experiência planejada. Por circunstância pessoal – e irrelevante para os outros -, startei. Sem querer querendo fiquei no off-line um tempo. Revelou-se relevante. Visto de fora, o mundo conectado é muito mais lotado de sobras e louco do que possa processar - e registrar - a nossa parca inteligência.
Nele há uma multidão de gente reunida, mas de presença ausente porque está ali e lá fora também via smartphones acesos e alertas. Gente recebendo e emitindo um universo de bobagens, enquanto come, fala, paga conta... Gente atravessando a rua, falando ou digitando, e segura de que está ligada ao movimento real. Está?
Quantos canais da santa cabecinha ali, naquele momento, estão abertos? Todos em potência máxima? Será? Ficava eu pensando enquanto dezenas de bonequinhos acelerados atuavam a minha volta, grudados aos nossos inseparáveis complementos eletrônicos.
Esses somos nós, eu pensava. E ria. Porque aqueles sou eu também, quase sempre conectada ansiosa, aflita, atrasada, devendo dívidas inventadas – o emala que não respondeu, o trabalho que não entregou, o filho que não visitou, a conta que esqueceu de pagar, o filme que pre-ci-sa ver, o desejo que – nossa! - ainda nem teve. Ufa! O dia que acabou tão rápido, onde não coube tudo que deveria ter sido feito. Deveria mesmo?
Esses somos nós on-line e acelerados, padecendo de invasões bárbaras em tempo real, pilhados com pílulas e técnicas salvadoras para não perder nada, absorver tudo o que não fará a menor diferença na vida ou na morte. Principalmente na morte que chegará de qualquer jeito, inexorável e surpreendente. Esteve ai o jovem, belo e vigoroso Eduardo Campos para não nos deixar esquecer disso – da morte, única certeza certa. E sem agendamento.
Um tempo off-line faz sentir que o mundo on-line é lotado de invasivas sobras. Pra que tanto? Faz falta saber sobre o fim do noivado da Nakamura com o Sidney Sampaio? o fim do namoro da Ticiane com o Tralli? a nova maquiagem da Marina?
Up to date com tudo pra que mesmo?

 

Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreverá sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano – relevantes ou nem tanto.

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