Pra dormir com a boca cheia de água

Marie Jeanne Iliescu/Stock.Xchng
Em meados da década de 80, o bilionário Malcolm Forbes pagou, num leilão, US$ 155.000 por uma garrafa de vinho. Corrigida pelo poder de compra do dólar norte-americano, essa quantia corresponde em moeda de hoje a US$ 500.000. A garrafa continha um vinho de 1787 que, segundo diziam, pertencia à adega do presidente Thomas Jefferson (um grande amante de vinhos de Bordeaux). A garrafa foi colocada em demonstração, na posição errada (vertical), e sob um forte foco de luz. A rolha secou, caiu para dentro e o vinho perdeu-se.
Esses tipos de vinho, pertencentes à categoria de troféus, geralmente nem são bebidos. Embora saibamos que não é preciso pagar uma fortuna por uma bela garrafa de vinho, em geral, vale o adágio: você recebe por aquilo que paga. Mas então, quanto custa um vinho top, entre os regularmente disponíveis no mercado? Em seu número 475, a Revue du Vin de France - RVF - mais importante publicação gaulesa sobre vinhos, listava os vinhos mais caros do mundo, para safras recentes: 1990 a 1997, contemplando vinhos disponíveis no mercado.
Não estão considerados os chamados rare wines, nem vinhos de safras antigas. A lista foi compilada a partir de preços recentes, de meados de 2003, extraídos dos catálogos dos maiores negociantes (atacadistas) europeus de vinhos. Da compilação dos preços desses catálogos, calculou-se o preço médio de cada vinho, para obtenção de uma lista:

Os vinhos mais caros do mundo


*Preços estimados de varejo no Brasil (aproximadamente 3,5 vezes o valor do atacado na Europa)

*Preços estimados de varejo no Brasil (a tabela original de 1987 foi corrigida para valores atuais).
divulgação

Uma análise revela que os nove vinhos mais caros da lista da RVF compartilham da característica comum de ínfima produção (algo como 750 caixas/ano, exceto o Ch. Petrus, com 2900 caixas/ano). Lembrando que uma caixa contém, pelo padrão do mercado, 12 garrafas de 750 ml. Essas quantidades propiciam à lei da oferta e da demanda terreno fértil para atuar plenamente. Para se ter uma ordem de grandeza, cada um dos cinco 1er Grand Crus Classés de Bordeaux, todos presentes na lista, tem produção entre 22.000 a 33.000 caixas/ano.
Ou seja, os nove vinhos mais caros correspondem a apenas 1/3 da produção média de um único 1er Grand Cru Classé. Fica patente o efeito raridade na composição dos preços. Quanto ao tipo de vinho, 86,6% (26) são tintos secos. Os brancos formam um reduzido grupo de quatro: um branco seco (o antológico Montrachet), dois brancos doce (Ch d'Yquem e Tirecul-la-Gravière) e o champagne Cristal da Roederer. Comparando essa lista com uma outra publicada pelo ícone da gastronomia francesa, no Guia Gault Millaud, Setembro 1987 nº 221, também contemplando vinhos disponíveis à época no mercado, e reproduzida no apaixonante livro De Vinhos e Rosas (Amaury Temporal, Editora Civilização Brasileira), também com 30 vinhos, notase que a França mantém sua participação global inalterada, com 24 vinhos (80%) dos vinhos listados da lista do Guia GM, 22 vinhos (73,3 %) são tintos seco.
Cinco são brancos doce (d'Yquem, Tokay Azsu, Picolit e Tokay d'Alsace) e três são brancos seco da Borgonha (Montrachet DRC, Bonneau du Martray - um Corton Charlemagne - e Chevallier-Montrachet). As duas listas estão fortemente ancoradas em duas safras antológicas, principalmente para os vinhos franceses. A lista da RVF apóia-se na gloriosa safra 1990 e a lista da GM na não menos sublime safra de 1982. As duas melhores dos últimos 30 anos, principalmente para os Bordeaux. Por isso mesmo, continuam valendo como um referencial atual. Nenhuma outra as superou em qualidade. Confrontando a lista da RVF com aquela do Guia GM, destaca-se a emergência de sete vinhos do Rhône - cinco do Rhône Norte e dois do Rhône Sul (Châteauneauf du Pape).
Os borgonhas recuaram de oito para quatro representantes, e os vinhos de Bordeaux sofreram uma ligeira retração, de treze para onze. Uma marcante constatação é a dramática redução da presença de vinhos brancos secos. Resta um único branco da Borgonha: o glorioso Montrachet DRC. Com relação a preços, nota-se que alguns vinhos ficaram bem mais caros, mesmo em valores corrigidos: Romanée Conti (+ 412 %), Chateau Margaux (+ 74 %), Chateau Latour (+85 %). Outros, como o Chateau Haut-Brion, ficaram com preço praticamente inalterado e ainda outros apresentaram queda nos preços, como Chateau d'Yquem (- 38 %).
Transparece a grande mudança ocorrida no mundo do vinho nos últimos 20 anos: da lista anterior só restam treze rótulos - doze franceses e o Vega Sicília. Os vinhos do Novo Mundo (Screaming Eagle, Harlan Estate e Ilustrações: Big Box of the ArtGrange) junto com os novos vinhos do Velho Mundo Pingus e Ermita, ambos espanhóis, e mais os sete vinhos do Rhône, revelam a guinada de preferência para o gosto "parkerisado" (em referência ao norteamericano Robert Parker, considerado o mais influente crítico do mundo, entre todos produtos): vinhos alcoólicos e encorpados. E o grande "perdedor", a Borgonha. Tanto nos tintos como nos brancos. A grande surpresa da lista da RVF é o vinho doce Tireculla- Gravière, um Mombazillac doce, provavelmente guindado ao Olimpo dos vinhos mais caros, após ter recebido nota 100/100 de ninguém menos que Robert Parker.
Esse tipo de ranking não é, seguramente, de concordância universal. Até porque as duas relações têm origem em publicações francesas, apesar de especializadas no assunto. Uma busca na Internet - www.askmen.com - revela uma relação dos Top 10: Most Expensive Wines, datada de 11 junho 2005. Esta lista tem a vantagem de mostrar safras mais recentes, com boa oferta nas lojas especializadas. Coincidentemente todos são franceses, de Bordeaux e da Borgonha.

*Preços estimados de varejo no Brasil (a tabela original de 1987 foi corrigida para valores atuais). Cotação dos vinhos mais caros do mundo, de safras recentes e normalmente enontrados no mercado. Não estão inclusas garrafas raras, ou que vão a leilões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário