Tá no Josias

Marina faz de Campos um príncipe às avessas
Josias de Souza

Ueslei Marcelino/Reuters
Há seis meses, Eduardo Campos era um candidato convencional à procura de tempo de propaganda na tevê. Negociava com Roberto Jefferson o apoio do PTB, tentava seduzir o PDT oferecendo a Carlos Lupi a primazia de indicar o número 2 da chapa e incluía em seus planos até mesmo o DEM de Ronaldo Caiado.
Nesta segunda-feira, ao confirmar Marina Silva como sua vice, o presidenciável do PSB informará ao país que o político que ele foi até outubro de 2013, antes de a estrela da Rede Sustentabilidade lhe estender a mão, não estava à altura dos novos tempos. Autoconvertido em protótipo da “nova política”, Eduardo Campos entra na briga como uma espécie de personagem de um conto de fadas às avessas.
A leitura convencional sugere que o PSB salvou a Rede da inexistência formal decretada pela Justiça Eleitoral. Na verdade, com seus 27% no Datafolha, Marina assume, por assim dizer, o papel de Branca de Neve dos trópicos. Entra em cena com o propósito de salvar o príncipe de olhos azuis dele mesmo, deslocando-o da lanterninha dos 10% para um segundo turno contra a rainha má Dilma Rousseff.
Como disse Marina numa entrevista que concedeu ao blog em outubro do ano passado, a Rede ofereceu ao PSB a possibilidade de “fazer o seu próprio realinhamento histórico.” Ela resumiu: “Se for para ganhar para continuar refém da velha República, para governar tendo que distribuir pedaços do Estado, preso em uma lógica que não coloca em primeiro lugar os interesses estratégicos do país, então, não precisa ganhar. Isso já tem quem está fazendo.”
Rendendo-se à lógica de sua Branca de Neve cor de jambo, Campos enxergou uma maçã envenenada onde antes via pragmatismo político. “Eu estou inteiramente de acordo com Marina”, passou a dizer. “Nós não podemos ficar na lógica tradicional da busca pelo tempo de televisão. Não adianta ter tempo de televisão e não ter o que dizer. É melhor ter um tempo pequeno e ter boas ideias, com legitimidade, do que ter um tempo muito grande cheio de contradições.”
Ex-ministro de Lula e ex-padrinho de nomeações no governo de Dilma, Campos integrava o condomínio cujo estatuto estabelece que não se faz a omelete da governabilidade sem quebrar ovos. Ele adere à pregação de Marina num instante em que a decomposição moral da Petrobras denuncia que seus ex-aliados não gostam de omelete, gostam do crec-crec —o barulhinho dos ovos sendo quebrados.
Em termos plásticos, Marina Silva deu a Eduardo Campos a aparência de um candidato charmoso. Porém, o único efeito prático anotado até aqui foi a cura da amnésia que acometia o PSB. A legenda lembrou que, pelo menos na certidão de nascimento, é socialista. Resta saber se a recuperação da memória vai render a Campos votos na quantidade almejada.
Desconhecido de 42% do eleitorado, Campos tende a crescer. A dúvida é o tamanho que ele terá depois que se esgotar a transfusão de prestígio de Marina. No Datafolha, quando o nome de Marina é excluído da disputa, 35% dos eleitores dela migram para Campos. Outros 22% caem no colo de Dilma e 14% no de Aécio Neves. Pela lógica, a entronização de Marina na vice deve elevar a taxa de transferência de votos dela para Campos.
O provável crescimento de Campos exercerá sobre a campanha um efeito benfazejo. Vai à breca a ideia de Lula de reeditar em 2014 o Fla-Flu que faz das sucessões presidenciais, desde 1994, torneios monótonos de petistas contra tucanos. O grande receio de parte dos correligionários de Campos é o de que as limitações políticas que resultaram da adesão ao purismo da Rede transformem o PSB em escada a ser escalada pelo PSDB para levar Aécio ao segundo turno.
Nessa hipótese, Campos-2014 seria um repeteco de Marina-2010. Na eleição passada, Marina fez quase 20 milhões de votos com um minuto de propaganda na tevê. Um espetáculo. Mas foi Serra quem passou para o segundo turno, não ela. Marina dá de ombros para o risco de reprise. “É melhor perder a eleição presidencial ganhando do que ganhar a disputa perdendo”, ela gosta de repetir.
No dialeto de Marina, ganhar perdendo seria chegar ao Planalto enganchado a logomarcas identificadas com a “velha política”. Um pedaço do PSB se irrita com a exacerbação desse raciocínio. Ouve-se ao fundo um chiado parecido com o de uma panela de pressão. O barulho é maior em São Paulo.
Ali, o PSB local avalia que a aversão de Marina à composição com o PSDB de Geraldo Alckmin converte a carruagem de Campos em abóbora no maior colégio eleitoral do país, onde a eleição deve ser decidida. Nas próximas semanas, o príncipe do PSB terá de administrar as contradições dos seus súditos sem quebrar o sapatinho de vidro que a supergata borralheira da Rede lhe calçou.

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