Opinião

A VALE E SIMANDOU – PODER E MATÉRIAS-PRIMAS NO SÉCULO XXI.

Mauro Santayana
 O advento de novas tecnologias não foi suficiente pra diminuir o apetite do mundo pelas matérias-primas, que continuam, hoje, tão estratégicas como eram no final do século XIX e no início do século XX.

Como ocorria nos anos da Belle Époque, e da divisão da África pelas potências coloniais europeias, na Conferência de Berlim de 1884, a disputa de países e empresas por minério de ferro e outros insumos é ferrenha, e envolve lances, obstáculos e desafios que lembram, em tabuleiro gigantesco, uma complicada partida de xadrez.

Na última semana, após longas negociações, a Vale reconheceu, finalmente, que pode vir a ter que assumir um prejuízo de 507 milhões de dólares, aplicados na compra de parte dos direitos de exploração da jazida de minério de ferro de Simandou, na Guiné, uma das maiores do mundo.

O imbróglio envolve a anglo-australiana Rio Tinto, a Vale e a BSGR, pertencente ao israelense Benny Steinmetz. A Rio Tinto, segunda maior produtora global de minério de ferro, adquiriu os direitos de exploração de Simandou em 1997.

Em 2008, o governo guineense alegou que a empresa estava atrasando o desenvolvimento do projeto e passou metade desses direitos ao empresário israelense Benny Steinmetz.

Steinmetz, por sua vez, vendeu metade do negócio à Vale, em 2010, pelo valor de pouco mais de 2.5 bilhões de dólares, dos quais 507 milhões já foram pagos. Para tocar o negócio, as duas partes montaram uma joint venture chamada VBG, com 51% de capital brasileiro e 49% da contraparte israelense.

No final de 2010, um novo governo, o de Alpha Condé, assumiu o poder na Guiné, e surgiram denúncias de corrupção no processo de concessão dos direitos minerários à BSGR, que levaram um comitê investigativo a recomendar ao governo a suspensão dos direitos de exploração concedidos a Steinmetz, e, por extensão, aos seus sócios brasileiros, que, agora, provavelmente terão que arcar com o prejuízo.

A instabilidade política na África afeta investidores de todos os quadrantes. Até mesmo a China, cujo apetite por recursos naturais no continente foi extremamente aguçado nos últimos anos está revendo sua estratégia na região.

O Presidente do Conselho de Administração da China National Petroleum Corporation, Zhou Jiping, anunciou em entrevista, recentemente, o fim da era dos investimentos pesados.

Em 2012, a CNPC – uma estatal pertencente ao governo chinês - aplicou mais de 50 bilhões de dólares no exterior, e essa quantia deve cair, paulatinamente, nos próximos anos.

Para isso, foram determinantes os percalços sofridos por Pequim no continente africano. Se a Vale se arrisca a perder 507 milhões de dólares em Simandou, os chineses perderam 20 bilhões de dólares em projetos de exploração de petróleo na fronteira entre o Sudão do Sul e o Sudão, que tiveram que ser abandonados devido a combates na região.

Isso, sem falar de bilhões de dólares perdidos no Irã, e em projetos de exploração de petróleo na Líbia, que se esfumaçaram com a destruição do país após a intervenção ocidental e a derrubada de Khadaffi, em 2011.

A relutância chinesa em continuar a expansão da compra de ativos em algumas regiões, diminuindo sua exposição na África, pode ajudar exportadores de minério mais tradicionais, como a Austrália e o Brasil. Por um lado, os chineses podem vir a adquirir participações por aqui. Por outro, a interrupção de vários projetos em andamento, garante a continuidade da aquisição de minério de ferro no exterior. Nos dois casos, ajudaria se a participação do governo na Vale fosse maior, e seu lucro ajudasse não apenas a seus acionistas, mas a todos os brasileiros. As ações da empresa estão subvalorizadas, e o BNDES poderia aproveitar para comprar parte delas agora, para ajudar a recuperar seu valor em bolsa, e, eventualmente, vender parte delas mais tarde, quando a “crise” passar.

A verdade é eu, apesar de tudo, ainda há quem aposte na África. O gigante anglo-suiço Glencore Xtrata, anunciou nesta semana importantes avanços na sua negociação com a estatal SNIM – Societé Nationale Industriélle et Miniére, da Mauritânia, para ter acesso a ferrovias e portos que permitirão o transporte e a exportação do minério de ferro das jazidas de Askaf, extraídas em parceria com o governo mauritano.

As commodities, no entanto, não bastam para assegurar o desenvolvimento.
O corte, pela ALCOA, de 147 mil toneladas na produção de alumínio primário em suas usinas de Poços de Caldas, Minas Gerais, e São Luís, no Maranhão, anunciada também esta semana, mostra que existem certos setores que não podem ficar apenas em mãos da iniciativa privada, principalmente quando se trata de capital estrangeiro.

Países podem adotar medidas que tenham a ver com os interesses de seus povos. Empresas fazem a mesma coisa, levando em conta, prioritariamente, os interesses de seus acionistas.

Com a decisão tomada pela ALCOA, mesmo sendo o terceiro maior produtor de bauxita do mundo, o Brasil voltará a importar alumínio, produzindo, neste ano, apenas 1.1 milhão de toneladas das 1.5 milhões de toneladas que consome.

Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.

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