Opinião

A perenidade do mal e a batalha dos justos
Mauro Santayana
O mundo comemora hoje o Dia do Holocausto judeu. Em nome de um mito — a escolha de Jesus por uma multidão, no lugar de Barrabás, às vistas de um Pilatos de mãos recém-lavadas, para percorrer as estações da Paixão, até seu definitivo encontro com o Pai, no alto do Gólgota — os judeus foram discriminados, roubados, torturados e assassinados por quase dois mil anos, até encarar, em lugares como Auschwitz-Birkenau, Maydanek, Sobibor, Bergen-Belsen, Dachau, Teresin, Babi Yar, Treblinka, o ponto culminante de seu calvário.

Jesus era judeu — e seis milhões deles foram exterminados na Europa — mas poderia ser cigano, um povo que vaga pelo mundo, quase que desde a mesma época, e que perdeu, nos mesmos campos de extermínio erguidos pelos nazistas da Divisão da Caveira, quase dois milhões de homens, mulheres e crianças. Muitas delas e deles como vítimas de experiências médicas, como as de Joseph Mengele, que injetava tinta nos olhos de meninos e meninas em Auschwitz e dissecava gêmeos com poucos dias de vida, logo depois de chegados ao campo.

Jesus era judeu, mas poderia ter sido um dos 30 milhões de russos, que morreram na Segunda Guerra Mundial, muitos deles executados e enterrados em valas comuns logo que os assassinos dos Einzatzgruppen chegavam, precedidos das tropas da Wermacht, para cumprir sua tarefa de matar comunistas — o que incluía a maioria da população soviética — quem soubesse ler e escrever, os judeus, os ciganos, e os vira-latas, para que o Exército Vermelho não os adestrasse para entrar debaixo dos Panzers alemães, com minas antitanque amarradas na barriga.

O virulento retorno do anticomunismo; a tentativa solerte de comparar o comunismo ao nazismo, quando foram os comunistas que derrotaram os nazistas, na Batalha de Stalingrado, no cerco de Leningrado, até o covil do diabo, na Batalha de Berlim, levando Hitler e outros dirigentes nazistas ao suicídio; o aumento do número de internautas que propugnam, livremente, o assassinato de suspeitos, a institucionalização da tortura e a quebra do Estado de Direito, com o fim do voto e a instauração da ditadura; tudo isso mostra que os demônios do conservadorismo e da ignorância continuam unidos, em tenebroso pacto, e conspiram para arrebatar corações férteis para o ódio e o preconceito. Como nas vésperas da chegada de Hitler ao poder, que levou ao sadismo ensandecido dos campos de extermínio.

O Dia do Holocausto judeu, que nos lembra outros holocaustos, como o cigano, o russo, o dos padres e pastores, o dos comunistas e socialistas, o dos homossexuais, serve para manter viva em nossa memória a noite que se abateu sobre a Europa há 75 anos, há apenas alguns instantes, portanto, em termos históricos. E a necessidade de estar sempre atentos ao mal e a combatê-lo, cortando sua cabeça, que renasce, como as da Hidra, todas as vezes que ela se erguer, passando por entre as gretas que nos separam do inferno, para se insinuar em nosso mundo.

Mauro Santayana é jornalista e meu amigo

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