Opinião


BACIAS SUJAS
• Agenor Maria foi marinheiro tatuado. Estava no navio Vital de Oliveira, torpedeado em águas da Bahia durante a guerra, salvou-se por milagre (30% dos colegas morreram). Comboiou, no destróier Maranhão, os navios brasileiros que faziam a rota Rio-África durante todo o ano de 1944 e em 45 voltou para São Vicente, no Seridó do Rio Grande do Norte.
Agricultor, elegeu-se vereador pelo PSD, fundou a Cooperativa dos Agricultores de Algodão. Em 1962 já era deputado estadual pelo PDC. Em 1966, candidato a deputado federal, teve 13.045 votos, ficou de suplente. Aluísio Alves pediu licença, Agenor assumiu.
No Ai-5 de dezembro de 1968, o Congresso foi fechado. Tudo cercado de soldados, Agenor foi saindo dentro do corredor polonês, olhou para trás, viu as duas conchas do edifício do Congresso desenhadas no horizonte imenso de Brasília, jurou: - Só volto aqui se for para a outra bacia.

• AGENOR MARIA - Em 1974, uma hora da manhã, na boleia de seu caminhão levando mercadorias de João Pessoa para Currais Novos, o caminhoneiro Agenor Maria passou no posto da cidade de Panamerim. Havia um portador com  carta do deputado Henrique Alves chamando-o a Natal no dia seguinte.
Foi. Queriam que ele saísse candidato a Senador pela oposição, pelo MDB. Aceitou, elegeu-se. No dia da posse, no Senado, em Brasília, olhou de longe o edifício do Congresso, viu as duas conchas de Oscar Niemeyer desenhadas no horizonte azul, lembrou-se do juramento de seis anos antes:
- Nery, voltei mesmo para a outra bacia, para a bacia emborcada.
(Foi senador de 1975 a 1983. Honrou o Rio Grande do Norte e o Senado.Terminado o mandado, foi deputado federal de 1983 a 1987).

• CONGRESSO - Falar do Parlamento é uma armadilha. Qualquer tropeço é um tombo. O Congresso é a espinha dorsal da democracia, a alma política da Nação. Mas se ele passa dos limites é preciso discuti-lo. Se necessário, acusá-lo.
A grande crise brasileira é que as duas bacias de Agenor Maria estão sujas. Ou são lavadas ou a democracia pode ser levada de roldão. O cerne da corrupção instalou-se no Congresso. Evidente que não são todos. Tantos  fazem do mandato um sacerdócio. Mas a maioria usa como um pé de cabra.
Os pecados do Governo são majoritariamente cometidos para atender à desvairada gula corrupta de senadores e deputados. Esse escândalo, um escárneo, de 39 ministros, que a Presidente não tem coragem de diminuir ao menos para 30, só existe porque cada ministério é a sacola com que o Planalto compra um partido. Comprado, estão no bolso os parlamentares.
Infelizmente, com as honrosas exceções de sempre, o Congresso tornou-se um mercado persa. Pagou, levou. Por isso, as pesquisas do fim de semana dizem que 71% da população  consideram o Congresso “corrupto”.
O País sabe que atrás de cada senador ou deputado (não esqueçam as bravas exceções) há sempre uma empreiteira, uma empresa que os  financiou e cobra o mandato com humilhação e vilania exacerbadas.

O POETA
Toda vez que o País entra em crise, o Congresso fala em reforma política. Que não vem porque não é para valer. É para driblar a Nação.
Falam sempre em dar dinheiro público para os candidatos comprarem a eleição, em diminuir o número de partidos, em controlar o financiamento dos candidatos, em fazer listas para os caciques nomearem seus protegidos.
E nada acaba acontecendo. Se a “reforma política” fosse mesmo para valer, a reeleição seria proibida de ponta a ponta, de presidente a vereador.
A reeleição é a matriz de roda a corrupção política no País. O presidente, governador, prefeito, já se elegem pensando em como comprarem o próximo mandato. Passam o mandato inteiro armando esquemas com dinheiro público para financiarem a próxima campanha.
Mas não apenas presidentes, governadores, prefeitos. Senadores, deputados, vereadores, vendem-se ao governo e empresas para se reelegerem. Proposta fantasiosa? Mas, no dia em que não houver reeleição de senador, deputado, vereador, cada um vai tratar de cumprir bem seu mandato para, só duas eleições depois, poderem voltar sem se venderem. Quero ver um deputado de coragem apresentar essa proposta.

Sebastião Nery. É jornalista e meu amigo.

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