Coisas da Política
Habemus Papam
Mauro Santayana
Acusado
por um conservador norte-americano de ser marxista, Jorge Mario
Bergoglio, o papa Francisco, negou sê-lo, mas disse que não se sentia
ofendido, por ter conhecido ao longo de sua vida muitos marxistas que
eram boas pessoas.
A declaração do papa, evitando atacar ou
demonizar os marxistas, e atribuindo-lhes a condição de comuns mortais,
com direito a ter sua visão de mundo e a defendê-la, é extremamente
importante, no momento que estamos vivendo agora.
A ascensão
irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo —
no Brasil, particularmente, está ficando chique ser de extrema direita —
baseia-se em manipulação canalha, com que se tenta, por todos os meios,
inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma
absurda realidade paralela.
Estabelecem-se, financiados com
dinheiro da direita fundamentalista, “museus do comunismo”; surgem por
todo mundo, como nos piores tempos da Guerra Fria, redes de organizações
anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia;
atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, 100
milhões de mortos ao comunismo.
Busca-se associar, até do ponto
de vista iconográfico, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não
fossem a Batalha de Stalingrado, em que os alemães e seus aliados
perderam 850 mil homens, e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do
Exército Vermelho — que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram
Hitler a se matar, como um rato, em seu covil — a Alemanha nazista
teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria
sido derrotada.
Quando houve o Golpe Militar, o povo preparava-se para reeleger novamente JK presidente da República em 1965
Quem
compara o socialismo ao nazismo, por uma questão de semântica, se
esquece de que, sem a heroica resistência, o complexo
industrial-militar, e o sacrifício dos povos da União Soviética — que
perdeu na Segunda Guerra Mundial 30 milhões de habitantes — boa parte
dos anticomunistas de hoje, incluídos católicos não arianos e sionistas,
teriam virado sabão nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de
Auschwitz, Birkenau e outros campos de extermínio.
Espalha-se, na
internet — e um monte de beócios, uns por ingenuidade, outros por falta
de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso — que o Golpe Militar de 1964 —
apoiado e financiado por uma nação estrangeira, os Estados Unidos — foi
uma contrarrevolução preventiva. O país era governado por um rico
proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em
plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do Estado de
Direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck
presidente da República em 1965.
1964 foi uma aliança de
oportunistas. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da
República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que
estavam alijados dos negócios do governo e oficiais — não todos, graças a
Deus — golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um
país livre.
Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que
padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao
ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as
declarações do papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas
normais, como quaisquer outras — e não são os monstros apresentados pela
extrema-direita fundamentalista e revisionista sob a farsa do “marxismo
cultural” — representam um apelo à razão e um alento.
Depois de
anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora,
que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de
São Pedro, em dia de conclave, das veneráveis chaminés do Vaticano.
Um
Papa maiúsculo, preparado para fortalecer a Igreja, com o equilíbrio e o
exemplo do Evangelho, e a inteligência, o sorriso, a determinação e a
energia de um Pastor que merece ser amado e admirado pelo seu rebanho.
Mauro Satayana é jornalista e meu amigo
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