Adoção sempre esbarra nos escaninhos da Justiça


Crianças sofrem com o gargalo da Justiça
ADOÇÃO | Quais os serviços que a Defensoria Pública presta ao cidadão?
TIBÉRIO MELO | A Defensoria Pública é uma instituição criada pela Constituição Federal de 1988 (art.134). Ela possui o benefício processual de ingressar com ações civis públicas na defesa dos cidadãos carentes. Os serviços prestados pela Defensoria e pelo Defensor são gratuitos. Não há cobrança de nenhuma taxa ou impostos pelos seus serviços. O Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública na Infância e Juventude (NADIJ) existe desde fevereiro de 2011 no Ceará. As crianças abrigadas são na sua totalidade, carentes social e economicamente. Efetivamente, nós não temos nenhum caso registrado de crianças abandonadas que possuem perfil socioeconômico mais elevado porque nesses casos a própria família dá um jeito de acolher essas crianças. Não que as crianças de classe média não sofram algum grau de abandono, mas, de imediato elas são acolhidas por um tio ou avó, e essa criança não vai para o acolhimento do Estado. A totalidade das crianças abrigadas é carente.

A. | Quais os principais motivos de abrigamento em Fortaleza?
T. M. | O uso de entorpecentes pela genitora, companheiro e parentes que residem na mesma casa é o principal motivo de abrigamento de crianças. A violência familiar física ou sexual aparece em segundo lugar e as dificuldades nas relações interpessoais entre pais e filhos estão em terceiro lugar em Fortaleza. A situação do pré-adolescente abandonado é grave, pois iniciou na infância. Essas crianças passam a maioria do tempo fora de casa porque não aceitam a autoridade dos pais e começam a morar nas ruas, posteriormente são acolhidas nas instituições de abrigamento. Morar e viver na rua são inconcebíveis para um ser humano.

A. | Quantos abrigos existem em Fortaleza?
T. M. | O desenvolvimento do indivíduo, a formação familiar, o acesso à educação e á renda são fatores preponderantes para a organização em sociedade, sendo imprescindível a cooperação dos organismos públicos e privados para isso. Existem três abrigos da Prefeitura Municipal de Fortaleza e nove abrigos mantidos pelo Governo Estado do Ceará. Há 12 instituições não governamentais (ONGs) que trabalham com o acolhimento de pessoas desde crianças com meses de vida a jovens. Nenhum dos 24 abrigos, estatais ou ONGs, tem supridas suas necessidades de profissionais. Todos trabalham com equipes deficitárias tendo em vista a quantidade de crianças e a complexidade dos casos. Os abrigos geridos pelo Estado são menos deficitários, mas, mesmo assim não tem a quantidade de educadores sociais, psicólogos e outros profissionais necessários.

A. | A Defensoria Pública visita os abrigos?
T. M. | O Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública na Infância e Juventude (NADIJ) formam agendas de visitações à todas as entidades de acolhimento em Fortaleza com um cronograma que viabiliza, a cada três meses, o acesso às 24 instituições de forma satisfatória para o conhecimento das necessidades jurídicas das crianças e adolescentes e a manutenção do Sistema de Acolhimento de Crianças e Adolescentes (SACADA). A sincronização de dados no sistema, desde a filiação até o reconhecimento das necessidades civis de cada criança acolhida, nos  habilita á ingressarmos com ações judiciais desde o reconhecimento de paternidade, destituição do poder familiar, inclusão de crianças no Cadastro Nacional de Adoção, pedidos judiciais de acolhimentos nos abrigos de crianças vitimas de violência e abandono, ações para aquisição de remédios que o Estado deve disponibilizar; como também a  determinação legal para a liberação de históricos e matrículas escolares quando há entraves enfrentados pelos solicitantes. A celeridade nas ações de reconhecimento da realidade da criança abrigada e a busca por suprir da melhor forma possível, as necessidades globais de cada uma delas. Nos organizamos para conhecer, enfrentar e resolver, abrigo não é familia.
A. | Como a Defensoria Pública atua na  proteção de cada criança abrigada?
T. M. | A interposição de Ação de Destituição do Poder Familiar - ADPF. Tal ação é proposta quando a Defensoria Pública ou o MP se convencem de que inexiste possibilidade de retorno familiar do acolhido; estamos falando portanto em um juízo subjetivo do Defensor ou do promotor que atua no caso. Não há prazo estipulado por lei para que o Defensor ou o Promotor venha a interpor tal tipo de ação; depende do convencimento do mesmo. Em Fortaleza a atuação do Núcleo de Atendimento da Defensoria na Infância e Juventude (NADIJ) dar-se da seguinte forma, ao final dos primeiros seis meses de acolhimento analisamos o processo do acolhido e observamos se há possibilidade de retorno familiar ou não, dependendo do nosso convencimento ou já entramos com a ADPF ou pedimos diligências para  o imediato retorno familiar. A análise é novamente repetida quando a criança completa um ano  de acolhimento de forma que a eventual interposição de ADPF, nos casos em que a família não reúne condições para receber o acolhido de volta, dar-se sempre no prazo inferior a um ano. De fato, e em virtude do contato próximo que a defensoria tem com as entidades de acolhimento e suas equipes técnicas, por vezes tais ações de ADPF são interpostas pela Defensoria em prazo muito inferior a um ano, desde que, é claro, haja fortes elementos que apontem a impossibilidade de retorno familiar.

A. | Por que os prazos da lei ainda não são cumpridos, mesmo em casos em que já foram esgotadas as tentativas de busca pela família?
T. M. | Inicialmente é preciso explicitar quais os prazos legalmente estabelecidos por lei, distinção esta necessária para entender quais os prazos que estariam sendo desrespeitados. O processo de colocação de uma criança abrigada em instituição de acolhimento em uma família substituta envolve as seguintes etapas: primeiro se busca realizar trabalhos para o retorno familiar do acolhido. A lei é omissa em relação ao tempo que tal trabalho deve ser executado, ou seja, não há prazo legal para que tal trabalhos se esgote. O que existe, na realidade, é um prazo máximo de 02(dois)anos que a criança poderia ficar acolhida, admitindo-se,  pela lei e em casos excepcionais, a extrapolação deste prazo;  possibilidade jurídica esta que, na prática, se mostra bem mais comum do que se poderia prever; e muitos usam este prazo como um tempo máximo para que os trabalhos de vinculação com a família natural sejam realizados; mas veja que não existe um prazo máximo estipulado em lei para a realização de tais trabalhos de vínculação.

A. | A sentença de Destituição do Poder Familiar, por lei, deve acontecer no prazo de 120 dias, isto ocorre?
T. M. | A prolação da Sentença de Destituição do Poder Familiar, deve acontecer no prazo de 120 dias, isto é,  para que o juiz julgue a ação de ADPF, prazo este que, diga-se, é o único prazo legal realmente fixado na lei de forma peremptória, ou seja, não admite prorrogações. É justamente neste ponto que as crianças acolhidas de Fortaleza sofrem com o gargalo da justiça! Este prazo de 120 dias quase nunca é respeitado, havendo ações de destituição que se prolongam por anos e anos. Este é o ponto de maior prejuízo para as crianças e que entendemos precisa ser cuidado com carinho. A demora em se julgar tais processos dar-se pelo fato das Varas da Infância de Fortaleza terem competência dupla, tanto julgam casos de apuração de ato infracional como cuidam de ações como as ADPFs. Assim os juízes sempre priorizam o julgamento de ações de atos infracionais em detrimento as ações como ADPFs. A situação é tão crítica que a Defensoria encontra-se, há mais de um ano e meio, articulando junto ao Tribunal de Justiça a especialização de uma das Varas da Infância de forma a tornar esta vara privativa para analisar situações como as ADPFs; mas até a presente data o TJ-CE não deu uma resposta definitiva para o nosso pleito.

A. | O que o Judiciário precisa fazer para melhorar essa questão? O senhor acredita que ainda exista no imaginário da população, e das pessoas que fazem o Judiciário, um preconceito contra adoção, em nome de uma demagogia em relação a uma pobreza?
T. M. | Com já havia dito, a principal medida que o Judiciário poderia fazer para solucionar o caso é a especialização de uma das varas da infância e juventude de forma a ter um juiz exclusivo para tratar de tais ações, e com isso diminuir o tempo de análise de tais processo.
No tocante ao preconceito citado por você, não consigo vislumbrar tal situação, nem no próprio judiciário nem por parte da população em si. O problema central é, como já dito antes, a demora em se julgar os processos pertinentes as crianças e adolescentes acolhidos.

A. | Mesmo com essas barreiras culturais a criação de uma Vara especializada pode dar celeridade aos processo? Como seria isso, na prática, para evitar que todos os casos fiquem nas mãos dos mesmos profissionais?
T. M. | Não vejo problema em se ter, por exemplo, uma única vara para atuar em tais processos; uma vez que há uma gama de atores que são consultados em todos os processos Juiz, promotor, defensor, equipe técnica do juizado e a própria equipe técnica da entidade acolhedora fazendo com que a decisão sejam, a princípio, a mais justa possível.
De fato há um receio, a meu ver infundado, de que os processos fiquem centralizados em apenas uma única vara; mas eu prefiro que os processos fiquem centralizados em uma única vara mas sejam julgados com celeridade do que fiquem transitando por inúmeras varas e “disputando” e perdendo atenção com os processos de apuração de ato infracional.

A. | O que a Defensória Pública do Ceara tem feito para dar um destino a essas crianças sem que elas passem a infância inteira em abrigos e percam a chance de ter uma família?
T. M. | Inicialmente é pertinente dizer que a Defensoria, há cerca de dois anos, vem semanalmente visitando as entidades de acolhimento de Fortaleza; visitas esta que buscam manter um contato periódico com todos as crianças e adolescentes acolhidos desta urbe. Com este contato evita-se que os problemas jurídicos envolvendo tais acolhidos demorem a chegar no órgão competente; melhorando consideravelmente o tempo de resposta a tais demandas.
De fato a Defensoria criou, de forma inédita, o Sistema de Acompanhamento de Crianças e Adolescentes Acolhidos (SACADA) justamente para poder acompanhar, de forma sistemática e periódica, a situação de cada um destes acolhidos; inclusive permitindo monitorar os gargalos nos procedimentos envolvendo tais crianças.
Tais práticas rendeu, no presente ano de 2013, o Prêmio “Innovare” a Defensoria Pública do Estado, prêmio este de caráter nacional e que premia as melhores prática jurídicas no pais.
Esta atuação, é justamente por fazer com que cada acolhido tivesse um atendimento individualizado e constante por parte da Defensoria, deve o condão de reduzir o prazo de permanência de muitas crianças nas instituições de acolhimento e, de forma similar, proporcionar, de forma célere, ou o retorno das mesmas às suas famílias naturais ou a colocação destas em famílias substitutas.

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