Igual pra todos

‘Adotei procedimento padrão’, diz Cardozo sobre pedido para investigar PSD

O ministro José Eduardo Cardozo comentou neste sábado (23) sua participação no envio à Polícia Federal de documento que acusa políticos do primeiro time do PSDB, DEM e PPS de envolvimento com cartel constituído para fraudar licitações de trens e de metrô em São Paulo. Ele declarou que apenas cumpriu o seu dever, informam os repórteres Fausto Macedo Ricardo Chapola.
Cardozo afirmou que recebeu o papelório “em junho, aproximadamente”. Reafirma que recebeu o texto das mãos do deputado petista Simão Pedro, hoje secretário municipal de Serviços do prefeito Fernando Haddad, de São Paulo.
“O Simão me procurou e entregou essa documentação com o relatório. Pediu-me que encaminhasse à PF”, relatou o ministro. “Ali tinha uma característica: era um relatório minucioso em alguns aspectos, acompanhado de cópias de documentos. Adotei o procedimento padrão. Mandei para a PF examinar a plausibilidade.”
Cardozo disse que o documento não estava assinado. Em notícia veiculada na quinta-feira, o Estadão atribuíra a autoria da peça a Everton Rheinhemer, um ex-diretor da multinacional alemã Siemens, empresa que denunciou a existência do cartel ao Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Há no enredo do “procedimento padrão” construído pelo ministro algo que foge dos padrões. Em memorando datado de 11 de junho, a PF de Brasília enviara o documento atribuído ao ex-diretor da Siemens para sua superintendência em São Paulo. Nesse memorando, está escrito que os papéis haviam sido remetidos à PF pelo Cade. Órgão da pasta da Justiça, o Cade apressou-se em negar que houvesse repassado o documento à polícia.
Chama-se Vinicius Carvalho o presidente do Cade. Militante do PT, ele foi chefe de gabinete do deputado petista Simão Pedro. Omitiu o vínculo com o petismo nos currículos oficiais e nas informações que prestou aos senadores que o aprovaram para o cargo. A omissão rendeu-lhe uma advertência formal da Comissão de Ética da Presidência da República.
Cardozo só entrou em cena na noite de sexta-feira, quase 48 horas depois do desmentido do Cade. Por meio de nota, informou que partira dele a remessa do documento à PF. Ficou boiando no ar a incômoda impressão de que o ministro achegou-se à boca do palco para ‘esquentar’ um documento cuja trajetória dentro do governo fugira dos trilhos da institucionalidade, tomando o atalho da instrumentalizacão política dos órgãos estatais.
“Creio que aí se deu uma confusão”, disse Cardozo neste sábado sobre o descompasso das informações. “O delegado [Bráulio Cezar da Silva Galloni, de Brasília] achou que os documentos eram oriundos do Cade e incluiu esta informação no ofício endereçado à PF em São Paulo.” Delegado que confunde um dado tão corriqueiro é outra coisa fora dos padrões.
Cardozo prosseguiu: “De fato, não foi o Vinícius [presidente do Cade] que fez o encaminhamento à PF”, prosseguiu Cardozo. “Eu tomei essa medida, porque é meu dever. Aí surgiu esse tiroteio. Se eu não faço isso, vão me acusar de prevaricação. Da mesma forma, se o Cade tivesse recebido [os papéis] também teria que mandar para a PF.”
O tiroteio a que se refere o ministro foi adensado neste sábado por disparos feitos por lideranças do PSDB. Entre elas o presidenciável Aécio Neves: “O ministro precisa esclarecer de forma clara qual foi sua participação nesse processo. Isso é extremamente grave. Estamos assistindo no Brasil ao uso de instituições do Estado para fins políticos.”
Na sua tentativa de prestar os esclarecimentos, o ministro da Justiça declarou que recebeu em ambiente doméstico, não em seu gabinete, o documento com acusações contra adversários políticos do PT. Contou que o correligionário Simão Pedro procurou-o na sua residência de São Paulo, num final de semana.
“Ele disse que queria conversar comigo. O Simão é um cara muito correto, muito sério, me passou a documentação. Ele disse: ‘preciso que investigue, já há investigações em curso, representei ao Ministério Público Estadual, então estou entregando a você’.”
Cardozo esforçou-se para tomar distância da divulgação dos papéis. Disse lamentar “que isso tenha vazado, porque pode atingir a imagem de pessoas que muitas vezes não têm nada com os fatos investigados.” Pode atingir? O ministro não é ingênuo. Sabe que, do ponto de vista político, o estrago já foi feito.
O documento acusa de envolvimento com o cartel metroviário de São Paulo ninguém menos que o chefe da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin, o deputado federal Edson Aparecido (PSDB). Ele aparece junto com o deputado Arnaldo Jardim (PPS).
O texto menciona supostas relações monetárias de Aparecido e Jardim com o lobista Arthur Teixeira, apontado como pagador de propinas do cartel. “Seus nomes foram mencionados por Teixeira como sendo destinatários de parte da comissão paga pelas empresas”, anota o documento.
O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) e outros dois secretários de Alckmin —o de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes (PSDB), e o de Desenvolvimento Econômico, Rodrigo Garcia (DEM)— são mencionados como personagens que teriam “estreito relacionamento” com o lobista Teixeira.
De resto, o documento cita o secretário de Energia do governo paulista, José Anibal (PSDB): o cartel “tratava diretamente com seu assessor, vice-prefeito de Mairiporã, Silvio Ranciaro”. Todos os citados negaram, obviamente, o recebimento de propinas. Mesmo aqueles que admitiram conhecer o lobista Teixeira.
Depois que Cardozo apresentou-se como repassador oficial do documento à PF, Everton Rheinhemer, o ex-diretor da Siemens, animou-se a divulgar uma nota. Ele nega ser o autor do texto. Mas revela-se familiarizado com o tema. O documento “cuja autoria foi atribuída a mim é, na verdade, anônimo”, escreveu. “Eu nunca encaminhei tal documento ao Cade ou à Polícia Federal.” Em seguida, Everton dá a entender que está proibido de dizer em público tudo o que sabe.
“O documento mencionado, assim como todo o restante da investigação, é sigiloso. Sendo assim, não posso comentar sobre o que consta dos autos do inquérito da Polícia Federal. Porém, vejo-me na obrigação de esclarecer que os documentos devassados e as informações publicadas como se fossem de minha autoria, foram distorcidos e não condizem com a realidade.”
Líder do PSDB na Câmara, o deputado Carlos Sampaio (SP) disse que irá propor a convocação de Cardozo para dar explicações na Comissão de Fiscalização e Controle. O ministro declarou que irá “com o maior prazer”. E fez pose de incompreendido:
“Quando a PF investiga algum adversário político, tido como adversário do governo, dizem que o ministro está instrumentalizando a PF para os desígnios governamentais. Mas quando a PF investiga aliados do governo, dizem que o ministro perdeu o controle da PF. Não há escapatória.

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