Opinião

ARI CUNHA

Visto, lido e ouvido

Sempre que lemos a Constituição nos desviamos do Preâmbulo. Dessa vez
foi diferente. Resolvi enfrentá-lo. O preâmbulo traz de início uma
informação óbvia mas que assusta. "Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte(...)" Se são
os representantes do povo que estão ali, porque o próprio povo diz que
todo político é corrupto?

A frase que abre a nossa Constituição é bem clara. Olhe-se em um
espelho e verá o seu representante refletindo na moldura a sua frente.
Então por que não há cobrança? Por que esquecemos tão rápido as
falcatruas e dos bons atos? Por que a corrupção é aceita? Por que
insistimos em trocas de favores? Por que o honesto é visto como
idiota? Por que fazemos piadas engraçadíssimas sobre políticos
corruptos e os desrespeitamos se eles são nossos representantes. Só
por fazer? Que graça há nisso? Por que rimos disso?

Por que uma manifestação que representa essa insatisfação da população
com os governantes é abafada com agentes infiltrados para desmoralizar
a autenticidade das reivindicações? Essa é a. E continua o preâmbulo
..."para instituir um Estado Democrático" Estado Democrático onde
todos devem seguir as leis.”Mas o que são as leis? Bons advogados? Boa
conversa com os juízes? Por que alguns partidos puderam surgir e
outros não? Por que acham que a população não percebe os tapetões? Por
que todos têm certeza que nunca vai acontecer nada demais?

A Carta Magna disse que querem participação do povo na administração
da coisa pública. Que participação é essa? Que coisa pública é essa
que se transforma em particular? Recebida com spray de pimenta?
Cassetetes? Cachorros e cavalos? O anonimato é proibido nas
manifestações populares. Mas vale o baile de máscaras dos nossos
representantes no momento do voto no plenário? Votar secretamente não
é anonimato? Isso é estado de direito? Aposentar como punição e
receber o salário integral? Tirar 4 meses de férias? Isso é sociedade
livre, justa e solidária? Que sociedade? Que clube é esse? Os
governantes são igualmente submetidos à força da lei como todos nós?

E continua o Preâmbulo...." destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com
a solução pacífica das controvérsias.

Como ficam bonitas as letras no papel! Mas afinal, qual é o papel das
letras? Alguém já viu os direitos sociais nos barracos de palafita ou
no Canegae? Alguém já viu os direitos individuais cheirando cola na
rodoviária ou em uma roda consumindo crack antes de completar 12 anos
de idade? Ou a liberdade? Concordam que os honestos, os trabalhadores,
estão entre grades e os malandros estão cada vez mais livres para
circular, matar, roubar e enganar? Que segurança é essa? Segurança de
quem, para quem e feita por quem? Isso é bem-estar? Bem- ser?
Bem-viver? Brasil.

Ordem e Progresso. Desenvolvimento feito com desvios de verbas,
superfaturamentos, maracutaias diariamente denunciadas. Indiciam,
prendem e soltam. Não há exemplos a seguir. Não há medo da punição.
Não há punição que não valha a pena ser enfrentada.

Assim estamos do lado de cá do Equador. Igualdade no branco dos olhos.
É a única igualdade visível. Justiça. A famosa deusa da Justiça. Tão
bem representada. Com uma fina cobertura no corpo, deixando todas as
curvas sem segredos . A espada não se sabe se é para lutar ou para se
defender. A balança não se sabe se é para escolher o maior ou o menor
peso. A venda nos olhos não se sabe se é de vergonha ou imparcialidade
nas decisões. E continua o preâmbulo da Constituição Brasileira
pregando uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como
Alice no país das Maravilhas.

A harmonia social até hoje se dá por absoluta sorte do destino. Porque
o brasileiro é um povo de natureza boa. As letras da nossa
constituição tremem. Valores supremos de um Supremo que faz de desfaz
com a lupa da hermenêutica. Essa danada varinha de condão que
transforma cada palavra da Constituição, as leis no que quiserem.
Nossas controvérsias são pacíficas porque manda quem quer, obedece
quem tem juízo. E mesmo insistindo em confirmar a laicidade do estado,
termina o nosso preâmbulo declarando que "promulgamos sob a proteção
de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil."
Vão dizer que o preâmbulo não tem força de lei. E depois vão desdizer.
E assim seguimos em ordem e progresso. (Circe Cunha)

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