Anteprojeto do Código Penal
Manoela Queiroz Bacelar
As
barreiras da linguagem impõem-se não apenas nas relações interpessoais.
Atingem, bem assim, a produção científica, artística e legislativa,
constituindo permanente desafio para o ser humano semiótico, intérprete e
temporal. O art. 28 do Anteprojeto do Código Penal revela um legislador
incauto quanto às armadilhas do dizer. Comparado ao dispositivo análogo
do Código Criminal vigente (art.23), o texto do Anteprojeto substitui o
termo "excludentes de ilicitude", inserido em 1984, por "exclusão do
fato criminoso", que no texto normativo original de 1940 aparecia como
"excludentes de criminalidade". Isso apenas reaviva as teorias do tipo
penal e sua semântica, sem maiores consequências práticas. Entretanto,
reclama uma atenção especial o conteúdo do parágrafo primeiro do mesmo
art. 28, que implanta o princípio da insignificância no terreno
normativo penal, topograficamente junto às excludentes do fato
criminoso. Assim o fazendo, o legislador cria, desnecessariamente,
fértil ambiente para a valoração subjetiva de conceitos indeterminados. O
operador jurídico convive em maior ou menor grau com a atividade de
valoração terminológica, sobretudo no campo da discricionariedade
administrativa. Porém, a frouxidão conceitual na lei é diretamente
proporcional aos riscos da insegurança jurídica. Em matéria penal, a
insegurança das relações jurídicas apresenta uma nuance mais acentuada
de gravidade em função da importância dos bens da vida protegidos pela
lei criminal. Vejamos a letra do Anteprojeto, art. 28, §1º: "Também não
haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes
condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c)
inexpressividade da lesão jurídica provocada". Essas diretrizes já
balizam a atividade jurisdicional, tópica, exegética, que diz o direito
no caso concreto mergulhado em suas circunstâncias determinantes. Os
julgadores exercem diariamente essa atividade reflexiva, analítica,
extraindo sentido das peculiaridades da conduta do agente, do
comportamento da vítima, da prova e de tudo o mais que desenhe o cenário
do crime. A expressão normativa, por sua vez e principalmente no campo
criminal, deve ser produto da mais acurada técnica legislativa, de modo a
propiciar o maior nível de clareza e objetividade possível. Conceitos
como "reduzidíssimo grau de reprovabilidade", "inexpressividade da
lesão" e "mínima ofensividade" não são precisos, deixam grande margem
para seu preenchimento axiológico e, por que não dizer, sua manipulação.
Oxalá seja repensado o texto do art. 28, § 1º para uma reformulação
mais precisa e acurada.
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