Coisas da Política
O Brasil e o Pacífico
Jornal do Brasil
Mauro Santayana
Não
foi uma caminhada fácil, nem se iniciou ontem, mas o Brasil deixou para
trás a situação acanhada, quando, de tempos em tempos, nossos ministros
da Fazenda viajavam aos Estados Unidos, de chapéu na mão. A dívida
externa nacional, sempre acumulada, pelos juros brutais, tinha que ser
“rolada” de maneira humilhante. Os que procuraram escapar ao “contrato
de Fausto com o diabo”, conforme Severo Gomes, sofreram a articulação
golpista comandada de fora, como ocorreu a Vargas, a Juscelino e a João
Goulart.
Livramo-nos, durante o governo Lula, do
constrangimento de abrir a contabilidade nacional aos guarda-livros do
FMI, que vinham periodicamente ao Brasil dizer como devíamos agir, em
relação à política fiscal ou na direção dos parcos investimentos do
Estado. Ainda temos débitos com o exterior, mas as nossas reservas
cobrem, com muita folga, os compromissos externos.
Não obstante
isso, os nossos adversários históricos não descansam. Ontem, na cidade
colombiana de Cali, os governos do México, do Chile, da Colômbia e do
Peru se reuniram para mais um passo na criação da Aliança do Pacífico —
sob a liderança dos Estados Unidos e da Espanha — claramente oposta ao
Mercosul. O Tratado que reúne, hoje, o Brasil, a Argentina, a Venezuela e
o Uruguai — e que deverá ampliar-se ao Paraguai e à Bolívia —
representa poderoso mercado interno, com um dinamismo que assegurará
desenvolvimento autônomo e relações de igualdade com outras regiões do
mundo.
Os norte-americanos, em sua política latino-americana,
agem sempre dentro do velho princípio, que Ted Roosevelt atribuía aos
africanos, de falar mansinho, mas levar um porrete grande. Ainda agora,
preparam uma recepção de alto nível para a chefe de Estado do Brasil,
que visitará Washington, em outubro — e será recebida com todas as
homenagens diplomáticas. Ao mesmo tempo montam o esquema de cerco
continental ao nosso país.
O Brasil deixou de ser país em desenvolvimento, para tornar-se uma potência consolidada
Sendo
assim, foi importante a visita que fez anteontem a Washington o
presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, a convite do
Instituto do Brasil, do Centro Woodrow Wilson, e do US Businness
Council. O parlamentar, exibindo números bem conhecidos em Washington,
mostrou que o Brasil deixou de ser país em desenvolvimento, para
tornar-se uma potência consolidada. Ele argumentou que o Brasil é
investidor importante na economia norte-americana, e, embora não o tenha
feito, poderia lembrar que somos o país que tem o terceiro maior
crédito junto ao Tesouro dos Estados Unidos.
Os espanhóis que, em
troca do tratamento privilegiado que lhes damos no Brasil, tratam de
nos prejudicar, estão exultando com a Aliança do Pacífico. No entender
de seus analistas, a nova organização vai sufocar o Mercosul. Ainda que
alguns de nossos parceiros estejam encontrando dificuldades ocasionais, a
pujança conjunta supera, de longe, a economia dos países da Aliança. A
economia mexicana depende de empresas norte-americanas, que se
aproveitam de seus baixos salários e outras vantagens para ali montar
seus automóveis e “maquiar” outros produtos.
A força da economia
brasileira, na indústria de porte — em que se destaca a engenharia de
excelência na construção pesada — reduz a quase nada a importância dos
países litorâneos do Pacífico, em sua realidade interna. Os Estados
Unidos os querem no Nafta, e é provável que consigam esse estatuto de
vassalagem. Nós, no entanto, não podemos deixar os nossos vizinhos da
América do Sul isolados, em troca de uma parceria com Washington que de
nada nos serve.
É hora também de dar um chega pra lá com a
Espanha de Juan Carlos, Rajoy e Emilio Botin, o atrevido presidente do
Banco Santander, que consegue ser recebido no Planalto com mais
frequência do que alguns ministros de Estado. O Brasil deve manter as
melhores relações diplomáticas com os Estados Unidos, desde que as
vantagens sejam recíprocas. Mas se, ao contrário deles, não levarmos o
big steak, estaremos advertidos de que “os Estados Unidos não têm
amigos: os Estados Unidos têm interesses”, conforme a frase atribuída a
Sumner Welles e repetida depois por Kissinger.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
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