Opinião

 A leitora que escreveu o texto abaixo é médica e pede para seu nome não ser divulgado. Como o conteúdo me pareceu interessante e pertinente, vamos a ele:
“…se for pra continuar com essa estrutura, não contratem médicos, por favor, contratem mágicos, porque o circo já está montado…”
Sou médica na área rural de uma cidade de grande porte, referência na região.
Apesar disso, me asSUSta ter de conviver diariamente com falta de medicações e material para abordar o trivial, tal como uma infecção urinária em gestantes, uma sutura simples ou uma urgência hipertensiva.
Exames de imagem? Meses e meses de espera.
Laboratoriais (sangue, urina…)? Quando o resultado chega, o paciente nem lembra mais que fez a coleta.
Abordagem multidisciplinar? Vou sonhando…
Eu poderia gastar longas e infrutíferas linhas enumerando os obstáculos com os quais convivemos diariamente como profissionais de saúde. Difícil acreditar que moramos em um dos países que mais cobra impostos de seus cidadãos.
Tenho colegas espalhados no país inteiro que confirmam: o cenário se repete!
Diante disso, fico inconformada quando leio algumas colocações sobre a contratação dos médicos cubanos pelo governo Dilma.
Rotulam os médicos brasileiros de “capitalistas”, “alienados”, “improdutivos”, diante dos cubanos que são seres angelicais sem ambição nenhuma, supereficientes (apesar de não conseguirem passar na prova do Revalida) e com uma sede insaciável de cuidar do próximo – tudo que precisam é de um estetoscópio e um bom charuto para exercerem uma medicina que vai salvar a nossa pátria.
Vejam só, temos mágicos nas ilhas caribenhas!
Ah, que infeliz inocência…
Mas, deixando meu sentimentalismo de lado, já que sou aparentemente só mais uma “fria, má e calculista” médica brasileira, concluo que isso já é o de menos.
O que me deixa indignada é a clara percepção de que essas ações populistas (sim!) serão mais um episódio da série “Tapando o sol com a peneira” da história do nosso Brasil, presente no governo dos mais diversos partidos e em diferentes momentos.
É muito mais chamativo, pra não dizer romântico (e pra não dizer angariador de votos), contratar os “médicos bonzinhos” de Cuba, levar o “dotôr que habla español” pra dona Maria que mora lá no meio sertão e sente uma “um jeito ruim na cabeça” e “uma febre por dentro” na época da estiagem do que
… estruturar o SUS da maneira que ele precisa;
… do que investir nas universidades federais e na saúde como um todo;
… do que dar educação para os brasileiros entenderem tudo isso e pararem de votar em representantes que acumulam acusações judiciais e distribuem “bolsas-não-sei-o-que-lá” pra deixar o povão mais satisfeito.
Eu, como médica, mesmo em início de carreira, já cansei de ter minhas mãos atadas por esse sistema, que freqüentemente obriga seus usuários a chegarem às últimas conseqüências para conseguirem um leito hospitalar ou uma cirurgia.
Dói ser rotulada a vilã dessa história, dói ter que dizer aos meus pacientes que seu tratamento vai ser adiado por falta disso ou daquilo (e não de médicos), dói ter estudado uma vida toda pra não poder agir conforme o ideal.
Ah, tem muita coisa que a “suposta falta de médicos” não explica, especialmente quando se tem muito mais médicos por habitante do que a OMS preconiza. Um médico, por mais bem intencionado que seja, não resolve muita coisa com uma maca capenga no meio do mato e meia dúzia de folhas de receituário.
Enfim, se for pra continuar com essa estrutura, não contratem médicos, por favor, contratem mágicos, porque o circo já está montado, os palhaços vestem branco e a platéia morre, ansiando por um milagre.

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