Se são valentes nos estádios por que não invadem a Bolívia e trazem os corintianos presos lá?


‘Temo pela vida deles’, diz o senador que visitou os torcedores do Corinthians detidos na Bolívia

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES) reservou 24 horas do seu tempo para fazer uma imersão num episódio que começa a sumir das manchetes. O senador tomou um avião da FAB em Brasília, aterrissou em La Paz, venceu três horas e meia de carro até a cidade boliviana de Ururo, cruzou os portões do Presídio de San Pedro, onde estão detidos, desde 20 de fevereiro, os 12 torcedores do Corinthians.
De volta ao Brasil na tarde desta quarta-feira (27), Ferraço conversou com o blog. “Honestamente, temo pela vida desses brasileiros”, disse. Eles foram presos preventivamente sob suspeita de participação na morte do adolescente boliviano atingido por um sinalizador marítimo no estádio de Ururo. O senador diz estar “convencido de que são todos inocentes.”
Ouça-se um resumo do que viu Ferraço: “Eles estão em situação de desespero, numa prisão de instalações primitivas, misturados a criminosos como traficantes de drogas, estupradores e assassinos. A cadeia foi construída para abrigar 200 detentos. Já tem 1,5 mil. Vi um amontoado de seres humanos. Mundo cão, caótico [qualquer semelhança com o que se passa no Brasil é mera coincidência]. Não me falaram de tortura. Mas ouvi relatos sobre castigos –passaram uma noite ao relento, por exemplo.”
O senador prosseguiu: “Um dos brasileiros presos está com o braço quebrado. Ele já foi do Brasil assim. Outro enfrenta uma crise de cálculo renal. Nenhum deles recebe assistência médica. Juridicamente, são assistidos por um advogado boliviano contratado pela embaixada brasileira. Há um esforço louvável dos nossos representantes diplomáticos. Mas eles já bateram no teto. O caso pede o envolvimento das autoridades de Brasília. Pedi para falar com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo; e das Relações Exteriores, Antonio Patriota.”
Além de ouvir os presos e o advogado, Ferraço esteve com autoridades da promotoria e do governo de Evo Morales. Acompanharam-no dois diplomatas: Eduardo Sabóia, que responde interinamente pela Embaixada do Brasil em La Paz; e Sérgio Danese, responsável no Itamaraty pelo departamento que cuida das comunidades brasileiras no exterior.
Após compor o seu mosaico, Ferraço concluiu: “Os corintianos estão na cadeia não como prisioneiros preventivos, mas como reféns do sistema judiciário boliviano.” Como assim? “Esses 12 brasileiros estão sendo objeto de barganha política por parte do governo boliviano pelo fato de o Brasil ter concedido asilo político a um senador de oposição.”
Ferraço refere-se ao senador boliviano Roger Pinto Moreira. Encontra-se refugiado na embaixada brasileira em La Paz desde o final de maio. Já lá se vão mais de 300 dias. Membro da Convergência Nacional, grupo político que se opõe ao governo de Evo Morales, ele enviou carta a Dilma Rousseff apresentando-se como perseguido político. Anotou que sua vida corria risco. Pediu asilo no Brasil. Foi atendido. Mas Evo não autoriza a emissão do salvo-conduto, sem o que seu antagonista não pode deixar a Bolívia.
Ferraço esteve com o senador Roger Pinto. Encontrou-o não na residência do embaixador, mas no segundo andar do prédio administrativo da embaixada. Ocupa um escritório que virou quarto. Dispõe de cama, tevê e telefone. Com sua tabuleta, conecta-se à internet. Há 15 dias, foi proibido de receber visitas de amigos e familiares. Fuzileiros da Marinha brasileira montam guarda na porta. Com medo, o exilado não sai do prédio nem para o banho de Sol.
Se a hipótese de Ferraço estiver correta, as autoridades bolivianas aproveitam-se da justa revolta que a morte do adolescente ateou na sociedade da pequena Ururo para retaliar o governo brasileiro, retendo na cadeia, sem provas, 12 corintianos inocentes. “Todo mundo que leu o inquérito diz que é uma farsa”, declara o senador brasileiro. “O Judiciário e as instituições da Bolívia vivem uma situação parecida com a da Venezuela. Falta segurança jurídica.”
Em visita à Promotoria, Ferraço soube que os responsáveis pelo inquérito não dão crédito à confissão do menor de idade que assumiu, em São Paulo, a responsabilidade pelo disparo do sinalizador que matou o adolescente boliviano. “Chega-se a insinuar que nós não iremos punir com o devido rigor o jovem que confessou sua culpa pela tragédia.” Para complicar, diz o senador, há certa “indignação com o fato de o réu confesso ser penalmente inimputável no Brasil. Na Bolívia, a maioridade penal é de 16 anos.”
Na noite de terça-feira (26), após visitar os corintianos na cadeia de Ururo, Ferraço foi ao gabinete de Carlos Romero, ministro de Governo da Bolívia. Ele exerce atribuições análogas à do ministro da Justiça no Brasil. A recepção foi fria, muito cria, gelada. “Ele nos tratou com a afetuosidade de um refrigerador”, conta o senador. “Chegou a ser ríspido. Disse que a audiência era de 20 minutos. Ficou marcando o tempo.”
Ferraço prossegue: “Lembrei ao ministro que os brasileiros estão sob custódia do Estado boliviano. Pedi: transferência para uma cadeia mais segura e assistência médica para o que está com o braço quebrado e o outro que enfrenta uma crise renal. Ele tomou nota. E não disse nem sim nem não.” Para Ferraço, ou o governo brasileiro intervém na encrenca ou os corintianos irão mofar na cadeia. Ele realça que, na Bolívia, a prisão preventiva pode durar até seis meses. Soube que há casos de pessoas que estão presas há anos sem julgamento.
Na próxima quinta-feira (4), o chanceler brasileiro Antonio Patriota será ouvido em audiência pública na comissão de Relações Exteriores do Senado. A coisa havia sido marcada para que o doutor fizesse uma explanação sobre os assuntos de sua pasta. A pauta agora é outra. “Obviamente, vamos tratar do problema dos brasileiros presos na Bolívia. É nosso papel não permitir que a página seja virada sem a adoção de providências”, diz Ferraço.

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