Ficha Limpa ainda precisa avançar


Condenados em 1º grau ou presos em flagrante ainda podem se eleger, pois a lei exige decisão de órgão colegiado
A eleição municipal deste ano é a primeira em que a Lei da Ficha Limpa é aplicada. Entre os estados brasileiros, o Ceará é um dos que mais barrou candidatos a prefeito e vice-prefeito com base na legislação. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Ceará indeferiu o registro de 78 candidatos a prefeito e vice-prefeito por esse motivo.

Para Djalma Pinto, a Lei da Ficha Limpa faz parte de um processo lento de mudança de mentalidade em relação ao exercício do poder FOTO: NATINHO RODRIGUES


Na avaliação de especialistas em Direito Eleitoral, o balanço da aplicação da lei no Ceará é positivo, mas ainda é preciso haver avanços. Segundo a Lei, uma das exigências para configurar a inelegibilidade é a condenação por órgão colegiado da Justiça, ou seja, condenação em segunda instância. Assim, aquelas pessoas condenadas em primeiro grau, ou mesmo presas em flagrante, por exemplo, ainda podem participar do processo eleitoral, lamenta o advogado Djalma Pinto, especialista em legislação eleitoral. "Isso significa que a sociedade precisa evoluir".

Para o advogado, a Lei da Ficha Limpa faz parte de um processo lento de mudança de mentalidade em relação ao exercício do poder político. "Havia uma verdadeira epidemia de corrupção na República, então a sociedade reagiu diante da recorrente presença de pessoas que praticavam ilicitudes, desvios de dinheiro público e que continuavam exercendo o poder político. A Lei da Ficha Limpa representa a reação da sociedade indignada", diz Djalma Pinto.

Projeto
Apresentado ao Congresso Nacional em 29 de setembro de 2009, com mais de 1,6 milhões de assinaturas, o projeto foi sancionado pelo ex-presidente Lula em 2010, tornando-se a Lei Complementar 135. Porém, o texto inicial da iniciativa popular foi flexibilizado pela Câmara de Deputados, por exemplo, no ponto em que proibia a candidatura daquelas pessoas condenadas em primeira instância.

Djalma Pinto lamenta que a lei não tenha sido aprovada conforme o texto original. "O que foi que a lei buscou no primeiro momento? Tornar inelegíveis aqueles que tivessem, contra si, denúncia de órgão colegiado ou então que tivessem condenação em primeira instância ou transitado em julgado. Mas a Câmara mudou o anteprojeto inicial". Mesmo assim, o advogado acredita que, dentro das limitações impostas pelo legislador, a lei foi razoavelmente cumprida.

Por outro lado, o procurador Regional Eleitoral do Ceará, Emmanuel Girão Pinto, professor de Direito Eleitoral e autor do livro "Ficha Limpa - Lei Complementar 135/2010 interpretada por juristas", considera que a Câmara Federal aperfeiçoou o projeto. Para ele, no âmbito dos Tribunais Regionais de todo o País, a aplicação da lei foi "muito positiva". Ele diz esperar, contudo, que o TSE, instância a que podem recorrer todos os candidatos barrados, confirme as decisões dos Regionais.

Para o pleito deste ano, o TRE-CE recebeu, ao todo, 276 recursos eleitorais relacionados à Lei da Ficha Limpa, envolvendo candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. "O Ceará se destacou pelo empenho e pelo cumprimento da lei", avalia Djalma Pinto. "Mas o problema não está só na lei. Está na mentalidade das pessoas que ainda não foram aprimoradas para compreender a primazia da administração pública", diz. Para o advogado, uma sociedade com eleitores mais instruídos não necessitaria de leis desse tipo.

Rejeitadas
Uma das controvérsias a respeito da Lei da Ficha Limpa é sobre a competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de prefeitos, ou seja, julgar contas de quando o prefeito acumula também o cargo de ordenador de despesa em alguma secretaria. Gestores cujas contas tenham sido rejeitadas por irregularidades insanáveis com características de ato doloso de improbidade administrativa ficam inelegíveis nos oito anos seguintes à decisão do órgão colegiado.

Assim, diversos candidatos, ex-prefeitos, cujos registros foram indeferidos pelos juízes eleitorais de primeiro grau, devido desaprovação de contas de gestão pelo TCM, argumentaram em suas defesas que apenas as Câmaras Municipais teriam essa competência. No entanto, desde o dia 8 de agosto, quando o juiz membro do TRE-CE, Francisco Luciano Lima Rodrigues, argumentou, enquanto relator de um recurso eleitoral, que cabe às câmaras municipais julgar as contas de governo de prefeito e ao TCM o julgamento de suas contas de gestão, a Corte eleitoral tem adotado esse posicionamento. O TSE, porém, ainda não tem entendimento firmado sobre esse aspecto.

Para os juristas, dúvidas como essa deverão estar sanadas já nas próximas eleições, após o TSE apreciar recursos nesse sentido e, assim, criar jurisprudência sobre os casos julgados. "Para nós é muito claro que, quando se trata de contas de governo do prefeito, quem julga é a Câmara de Vereadores", diz Emmanuel Girão Pinto. Contas de governo são aquelas relacionadas ao cumprimento da lei orçamentária do município. "Mas alguns prefeitos gostam de, eles próprios, gerir os recursos (do município) como ordenador de despesas. E, contas de gestão o TCM julga", explica o procurador.

Entre os benefícios trazidos pela Lei da Ficha Limpa, Emmanuel Girão Pinto destaca o maior acesso dado à população sobre aqueles candidatos que tem "ficha suja". "Antes era uma cosia muito nebulosa", declara Emmanuel Girão Pinto.
Deu no DN

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