Opinião


NOVO INCÊNDIO NA REDE GLOBO (Não consigo ficar calado)

              Durval Aires Filho*

Desta feita, não deixou nenhum ferido, nem houve superaquecimento de lâmpadas, nem curto circuito, como ocorreu muitos anos atrás no Xuxa Park,  mas as revelações de Maria da Graça Meneghel  para o Fantástico foram sinistras, se considerarmos o duro jogo para as emissoras concorrentes que disputam a audiência dominical. Tomem críticas e desaforos, especialmente para uma pessoa que se dispõe a ser eterna e pura rainha dos baixinhos. Como quase cinqüenta anos, portanto, com a "maior idade", depois de uma carreira bem sucedida economicamente, embora não se saiba qual é o seu verdadeiro talento, ela quer surpreender, melhorar os seus índices de audiência, chamar à atenção de si mesma,  de seu programa e de sua emissora. Ela quer simplesmente voltar a vender.
 Para tal intento, uma entrevista, no quadro “o que vi da vida”, onde falou que foi molestada na infância, sobre seus amores, os anos com Pelé, incluindo a tênue relação com dois outros ídolos que não estão mais entre nós para ouvir essas declarações, algo como um diário de uma adolescente. E a temperatura subiu ao máximo. A Globo,  bateu  recorde fantástico de audiência no Fantástico. Teria atingido 24 pontos, enquanto a Record, no mesmo horário, sem nenhum recorde, alcançou 12, seguidos pela SBT, 10, e Band, com apenas magros 8 pontinhos de Ibop.
O depoimento foi longo, em termos de televisão, mas, tratando-se de Xuxa, parece normal. Lembram-se quando nasceu a Sasha? Foi notícia no Jornal Nacional, com direito a Fátima Bernardes, imagens do parto e tudo, com se o nascimento de uma criança fosse um fato mais extraordinário do mundo. Mas, mudando de foco, interessante mesmo foi o relato de que teria recebido uma proposta do empresário de Michael Jackson. Sua fala é no mínimo curiosa, porém, faz sentido. Como se vê, a rainha apresenta-se como uma mocinha desligada, tola como as baixinhas, mas não louca. A mídia chegou a compará-la com o excêntrico cantor norte-americano. Contando com o que a natureza lhe deu de presente, charme e beleza, não precisou recorrer a medicina, mas a sua imagem de solitária, rebelde, triste, sem amigos, sem amores, vivendo quase em uma bolha, completamente isolada do mundo, em pleno país do carnaval, havia muito de semelhança do famoso pop stars. Ah! Isso tinha!
Em menores proporções, o que as redes sociais têm postado comentários é a de que, apesar do esforço da apresentadora, que é também atriz, não foi uma entrevista convincente, com declarações que poderiam ser firmes e legítimas. Como em outras situações centralizada pela cantora e apresentadora de programas infantis, pode se perceber que foi um evento “controlado”, como muitos textos prontos, a disposição de “tele pontos’ e “filtros”, sendo ela mesma a protagonista da sua história, revelando o que foi mais conveniente para si, no que julgou ser o melhor formato. O problema é que ela ajusta previamente o que vai dizer, mas não decide pela repercussão do programa. Segundo os internautas, o grande esquecido do monólogo foi o pai de sua filha e outros chegaram a mencionar, além do Luciano Szafir, o nome de Marlene Matos. Longe da loura, ambos, certamente, não vão reivindicar qualquer lembrança, atual, presente ou remota.
Ao conhecer o piloto Ayrton Sena, provavelmente, antes da Adriana Galisteu, outra esquecida, classificou: “um cara com grana que não vai querer a minha”. Eis, aí, o cara,  o grande filão, que ela denominou de “alma gêmea”. O mesmo pensamento não pode ser repetido em relação à Pelé. Aliás, essa racionalidade em relação ao dinheiro parece ser parte integrante de sua personalidade. Fala em grana, em algo genérico, para inutilmente expressar pouca importância que ela daria ao vil metal, com a mesma desenvoltura com quem se refere a Deus, como o “cara lá de cima”, chegando a irritar fervorosos católicos, no melhor desempenho de seu programa de outrora.
Quando descreveu a sua carência afetiva e sexual, riu como se fosse uma “baixinha”. Soltou: “os hormônios”. Depois, “help”,  a barra pesou demais. Disse: “eu fui abusada”. E indicou como autores do crime três pessoas: o melhor amigo de seu pai, um “cara que ia casar com a minha avó” e um professor da escola. A denúncia, como devia se esperar, fez surgir fumaça. Agora, a CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes da Câmara Federal pretende ouvi-la, saber quem são essas pessoas, embora, dirão os advogados, não tem o menor valor, a mínima consequência, posto que a eventual punição está prescrita.

A pergunta que se faz no momento: por que tamanha revelação em horário nobre, em rede nacional? Qual o propósito de uma entrevista tão desconcertante e inusitada? Se ela está à frente de uma campanha contra abusos sexuais em crianças, muito bem, parece louvável, seu nome pode ajudar. Mas existem outras formas pedagógicas de difusão desta mensagem.
Dias depois, instada para falar da entrevista, a apresentadora se recusou. “Tá na hora, tá na hora de brincar” diz a musiquinha, um de seus clássicos composto por Cid Guerreiro, outro esquecido. O problema é que não somos psicólogos, como torcedores não são treinadores de times de futebol.  E mais: não estamos mais a fim em  ouvi-la, a qualquer tempo, em contextos diferentes. Isso o código dos consumidores de tv poderia ajudar. A fila anda. Os baixinhos de ontem, com certeza, são os altinhos de hoje.

Ora, Xuxa fez filme pornográfico, realizou ensaios de fotos para revistas masculinas, foi modelo profissional e fez o que fez. Agora, o trauma revelado fora de tempo. Mais: a pergunta que jogou no ar para uma legião de antigos fãs que, por respeito a ela mesma, não está disposta a decifrar: “por que você acha que eu não consigo me casar?” Quase choramingando, no final,  propõe: “tenho o sonho de que, um dia, nenhuma criança seja vítima de abuso”.

Sinceridade ou não, o fato é que Xuxa permeia mais uma vez o campo abstrato, genérico, amplo e construído "do nada sobre o nada", pois não indica o alvo preciso, quais os infantes ela quer bondosamente ajudar, quais os meninos e meninas objetos de seu nobre sonho, quantos ele pensa em auxiliar na superação desses traumas, as creches que poderiam ser beneficiadas. É o Xou da Xuxa, né?. “Pula, pula bole, bole/Se embolando sem parar”. É fogo !

*Desembargador do TJCe, escritor e ensaísta

Nenhum comentário:

Postar um comentário