Conselho de Ética vai retirar da peça de defesa de Demóstenes ‘indícios’ de violação do decoro


Especial de Josias de Souza (do blog)
O Conselho de Ética do Senado vai retirar da defesa apresentada por Demóstenes Torres os “indícios” que vão fundamentar o pedido de abertura de processo contra o senador por quebra do decoro parlamentar.
Entregue há quatro dias, a peça tem 48 páginas. Um dos pontos que servirão de matéria prima para a acusação consta das páginas 29 e 30. Os advogados de Demóstenes reconhecem que o senador recebeu de Carlinhos Cachoeira um rádio Nextel habilitado nos Estados Unidos.
Ao requerer ao STF a abertura de inquérito sobre o caso, o procurador-geral da República Roberto Gurgel fez referência aos Nextel. Cachoeira adquirira 15 aparelhos em Miami. Imaginava que fossem imunes a grampos. Distribuiu-os entre os membros mais destacados da quadrilha.
Demóstenes era um dos integrantes desse seleto ‘clube do Nextel’. De acordo com Gurgel, as conversas entre o senador e Cachoeira “eram frequentes, quase diárias.” Como o aparelho do contraventor estava sob monitoramento, a voz do senador soou nas escutas.
O procurador-geral teve a preocupação de informar ao Supremo que Demóstenes e Cachoeira comunicavam-se por meio do “telefone habilitado no exterior –rádio Nextel—, que integrava um sistema de comunicação fechado de modo a inviabilizar eventual interceptação.”
Exposto no noticiário, o Nextel cedido a Demóstenes foi mencionado na representação formulada pelo PSOL contra o senador. Na defesa entregue ao Conselho de Ética, os advogados admitem: “É fato” que Demóstenes recebeu de Cachoeira “um aparelho celular/rádio da marca Nextel, quando este retornou de uma viagem aos Estados Unidos.”
Alegam que o senador “jamais poderia imaginar o alcance que atualmente a imprensa tem dado a este fato.” Sustentam que Demóstenes desconhecia que Cachoeira havia distribuído 15 rádios do mesmo modelo. Anotam que tampouco sabia que a “habilitação em país estrangeiro teria a finalidade de impedir” que os aparelhos “fossem alvo de monitoramento pela polícia.”
Acrescentam que o senador “recebeu sem questionamentos este rádio/celular para única e exclusivamente ter as facilidades de comunicação que o aparelho oferece, tais como o alcance e a rapidez nas ligações. Apenas e tão somente por esta razão.”
Para a defesa, o fato de Demóstenes ter recebido o Nextel não configura infração. “Não há, em nenhuma hipótese, falta ética, locupletamento de bem público, recebimento de vantagem indevida que pudessem configurar quebra de decoro parlamentar.”
Aos olhos do Conselho de Ética, ao admitir que recebeu e usou o rádio cedido por Cachoeira, Demóstenes contradiz o discurso que proferira em 6 de março na tribuna do Senado. Nesse pronunciamento, o senador dissera que suas relações com Cachoeira limitavam-se aos laços de amizade, sem conexão com negócios ilícitos.
Na defesa ao Conselho, os advogados repisam essa a tese. Se havia “uma organização criminosa” comandada por Cachoeira, “era do mais absoluto desconhecimento do senador Demóstenes.” Os grampos que soam diariamente nas manchetes demonstram o contrário.
Como diz o procurador-geral Roberto Gurgel na petição que levou o STF a abrir inquérito, “fica evidente que os vínculos que unem o senador Demóstenes Torres a Carlos Cachoeira extrapolam em muito os limites éticos exigíveis na atuação parlamentar, adentrando a seara penal.”
Nas palavras de Gurgel, as escutas demonstram que “as tratativas entre eles envolveram os mais variados assuntos e, em todos, há a atuação decisiva do senador Demóstenes Torres em prol dos interesses econômicos de Carlos Cachoeira.”
No texto submetido à análise do Conselho de Ética, os advogados argumentam que o colegiado não pode levar em conta no seu julgamento o teor das conversas recolhidas pela Polícia Federal. Repetem que Demóstenes foi escutado ilegalmente, sem autorização prévia do STF.
Pedem que a análise da representação seja sobrestada até que o Supremo julgue o mérito de uma ação na qual Demóstenes questiona a legalidade das provas. O Conselho dará de ombros para esse pedido. Primeiro por entender que o processo legislativo por quebra de decoro não se confunde com o inquérito judicial.
Segundo porque, na fase atual, o Conselho de Ética não vai julgar Demóstenes. O que está em jogo no momento é a apresentação de indícios que justifiquem a abertura de um processo disciplinar, sujeito ao contraditório que virá na fase seguinte.
Não há, por desnecessário, a intenção de utilizar o conteúdo dos grampos. Até para evitar que uma decisão do Conselho venha a ser contaminada por eventual decisão do Supremo a favor da tese de que as provas são ilegais.
Nas páginas 27 e 28, a defesa de Demóstenes faz referência a um presente de R$ 27 mil recebido por Demóstenes de Cachoeira. Coisa também mencionada na representação do PSOL. Os advogados realçam que o senador confirmara “o recebimento do referido presente de casamento” no discurso de 6 de março.
Nesse ponto, a defesa esforça-se para distanciar Demóstenes da cena. Anota que o presente decorreu “de uma gentileza [...], fruto de uma conversa muito anterior entre Andressa [mulher de Cachoeira, na foto ao lado] e Flávia [mulher de Demóstenes].”
Numa fase em que Andressa “ainda nem era companheira” do contraventor, ela “teria mencionado que gostaria de presentear o casal Torres com tais utensílios domésticos quando viessem a se casar.” Cita-se uma entrevista na qual a mulher de Cachoeira corrobora essa versão.
“Logo, o referido presente de casamento em momento algum constituiu qualquer tipo de vantagem recebida pelo senador Demóstenes, mas sim um presente de casamento prometido por Andressa a Flávia, antes até que a cerimônia viesse a acontecer.”
Aqui, enxerga-se no Conselho de Ética um esforço da defesa para potencializar os vínculos familiares e passar a impressão de que o relacionamento dos Cachoeira com os Torres nasceu das afinidades de Andressa e Flávia, não da junção de interesses dos maridos.
A tese se esvai nas páginas seguintes, nas quais o senador como que admite os laços de intimidade que o uniam ao contraventor ao reconhecer como “fato” o recebimento do rádio Nextel.
Numa tentativa de antecipar-se ao que está por vir, os advogados escrevem: “Mesmo que não houvesse amizade anterior entre Andressa e Flávia e que tal presente [geladeira e fogão] realmente tivesse sido dado pelo empresário Carlos Augusto Ramos ao senador Demóstenes, ainda assim não seria possível vislumbrar hipótese de quebra de decoro por ‘percepção de vantagem indevida’.”
Nas páginas 37 e 38, a peça de defesa tenta negar que Demóstenes tenha solicitado a Cachoeira o pagamento de uma fatura de táxi aéreo de R$ 3 mil. O pedido foi feito num diálogo de 22 de junho de 2009. Valendo-se do noticiário, o PSOL incluiu o fato na sua representação.
Os advogados repisam: o grampo foi “ilegal”, a “prova é ilícita” e não se pode tomar como verdade notícia de jornal. Levanta a “possibilidade” de “supressão” de um trecho da conversa grampeada. A certa altura, a defesa admite: Demóstenes “realmente utilizou em determinadas oportunidades aeronaves cedidas por pessoas próximas.”
Mas, na sequência, afirma, em timbre peremptório: “Não há esse pedido de R$ 3 mil para que fosse efetuado pagamento de aeronave.” De novo, a alegação dos advogados não faz nexo com o conteúdo do documento remetido pelo procurador-geral da República ao STF.
Nas páginas do inquérito, Roberto Gurgel reproduz o diálogo. Fica claro que o senador voava em asas providenciadas pelo contraventor. O pedido de numerário é explícito. Eis a conversa:
Demóstenes: Fala professor.
Cachoeira: Eu falei com ele, amanhã cedo ele tá aí pra te pegar, tá, só vai me confirmar aqui agora.
Demóstemes: É, quem, quem é que o… que horas que ele vem, você sabe?
Cachoeira: Pode chegar a hora que você quiser, ué. Que hora você quer que ele te pega? Nove horas? Dez horas?
Demóstenes: Acho que é melhor às dez, aí, porque a gente… fala pra ele fazer o plano de vôo às dez, que esse avião dele chega lá em meia hora, né? A gente já chega e desce direto pra lá.
Cachoeira: Tá, nove e meia vai tá em Goiânia te esperando. Só vou marcar o local, tá bom? Lá na Voar.
Demóstenes: Acho que ele desce lá no, lá naquele terminal executivo, viu, qualquer lugar que ele marcar eu tô lá firme. Ah, por falar nisso tem que pagar aquele trem do Voar. Do Voar não, da Sete, né?
Cachoeira: Tá, tu me fala aí. Eu falo com o, com o Vilnei. Quanto foi lá?
Demóstenes: Quanto foi? Três mil.
Cachoeira: Tá, eu passo pro Nilo…
O Conselho de Ética não usará o teor do grampo como prova. Nesta fase de coleta de indícios, considera-se desnecessário. Mas o STF já autorizou o manuseio do inquérito pelos senadores. Significa dizer que, na segunda fase, iniciada a partir da eventual abertura de processo, os dados auxiliarão na formação do juízo do Conselho de Ética.
A defesa de Demóstenes refuta também as outras duas acusações reproduzidas pelo PSOL. Numa, escorada em notícia veiculada no site da CartaCapital, informou-se que Demóstenes receberia 30% de todo o dinheiro amealhado pela quadrilha de Cachoeira.
Os advogados afirmam que se trata-se “calúnia”. Lembram que o dado foi extraído de relatório produzido por um delegado que se encontra preso. E arrolam como testemunha um personagem que negou, em entrevista, informações atribuídas a ele na notícia.
Noutra acusação, baseada em notícia do ‘Globo’, informa-se que Demóstenes repassava “informações privilegiada a Carlinhos Cachoeira, conseguidas em reuniões reservadas que teve com representantes do Executivo, Legislativo e mesmo do Judiciário”. Para a defesa, “a imputação é absolutamente genérica” e não explicita que dados teriam sido informados pelo senador. Coisa “inepta”.
Ainda que o Conselho de Ética opte por desconsiderar a suposta sociedade e o repasse de dados obtidos graças ao prestígio de que desfrutava o senador, avalia-se que a peça de defesa oferece argumentos de sobra para o ataque.
As acusações contra Demóstenes serão debatidas no Conselho em sessão marcada para quinta (3). Nesse dia, será lido o relatório preliminar do senador Humberto Costa (PT-PE). Precavido, o relator vem se esquivando de antecipar sua posição. O relatório será submetido a voto na terça-feira (8) da semana seguinte.

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