Ciro Saraiva: Um cupido na terceira idade


Dois bicudos não se beijam

CIro Saraiva - Jornalista e escritor 
Jânio Quadros era governador de São Paulo, quando Ademar de Barros, seu grande rival na política daquele Estado, foi eleito prefeito da capital paulista.
Ademar, que era um político hábil e sabia conviver com as mais intrincadas situações, foi a Jânio, nos Campos Eliseos, onde teve uma demorada conversa com ele, que jamais transpirou para a imprensa. (Vou contar essa história, não porque conheci Ademar nem Jânio, mas porque José Cláudio de Oliveira, meu bom amigo José Claudio, me contou há muitos anos):
- Dr. Jânio, o senhor é governador do Estado e eu sou o prefeito da capital. Sendo assim, se nós nos entendermos, tudo estará bem para nosso povo. Se não nos entendermos, vai ficar pior, porque a situação não está muito boa. Não é verdade, dr. Jânio ?
Jânio, que era um inigualável farsante e tinha mandado Ademar para a cadeia três ou quatro anos antes, nem esperou que ele terminasse:
- O que o senhor espera de mim, dr. Ademar ?
Ademar falou então e Jânio ouviu, o que lhe pareceu ser justo:
- Eu quero que o senhor não me faça a injustiça de pensar que sou seu inimigo. Porque não sou, verdadeiramente, seu inimigo. Sou apenas adversário e isso circunstancialmente, porque amanhã poderemos ser aliados.
O senhor não acha ?
Jânio, que não admitia em nenhuma hipótese, ser aliado de Janio – como nunca foi – disse que aquela conversa estava tomando um rumo inesperado. E outro, tomando um fôlego, falou: 
- O senhor quer saber de uma coisa, dr. Jânio ?
Jânio assentiu que falasse e Ademar, esperando terminar a conversa com o mesmo brilhantismo com que a iniciara, pediu ao governador, que lhe mandasse servir um cafezinho, o que foi feito. Depois do papo concluído, Ademar voltou-se para Jânio, que o olhava:
- O senhor está satisfeito comigo, governador ?
Jânio, que não entendeu nada, respondeu a Ademar:
- Dr. Ademar, não se engane comigo. Se eu amanhã mandar prendê-lo, lembre-se que eu nada tenho contra o senhor.
- Nem eu com o senhor, dr. Jânio – falou Ademar, cheio de si.
E assim, eles se tornaram não amigos, mas conviveram até o final de seus mandatos, porque o interesse de São Paulo estava – como hoje ainda está – acima dos interesses do governador e do prefeito. Que tal se alguém chegasse para o governador Cid Gomes e para a prefeita Luizianne e contasse essa história? Não seria bom que eles fizessem o mesmo que fizeram Ademar de Barros e Jânio Quadros ? O Ceará e Fortaleza (não só os times) agradeceriam muito.

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