Nas ruas - Moradores vivem rotina de pobreza e abandono


Avenida Abolição, uma das vias mais movimentadas de Fortaleza, 7h30 da manhã de ontem (21), e um grupo formado por onze pessoas em situação de rua dormiam, serenamente, em frente ao Ginásio do Náutico Atlético Cearense, apesar do tráfego intenso de carros e pedestres. A cena, apesar de forte, parece ter virado rotina e pode ser vista em vários pontos da cidade. Do outro lado, um menino que aparenta ter, no máximo, 12 anos, levantou e fez a primeira necessidade fisiológica do dia encostado a um poste de iluminação. Depois, voltou a dormir sobre um pedaço de papelão, por trás de uma banca de revistas. No local, não havia comida nem água para lavar rosto e mãos.

Pompéia Nascimento, que trabalha perto do local, passa pela avenida todos dos dias e afirma que vivenciar as pessoas nesta situação desperta sentimento de impotência por não poder ajudar. Ela considera que o problema é causado, principalmente, pela desestruturação das famílias. “Não deve ser fácil morar na rua, sem ter emprego e o que comer”.

Carlos André da Silva (33), que está no grupo de pessoas que vivem em frente ao Ginásio, explicou que quase todos têm família, mas saíram de casa devido a problemas, especialmente, aqueles causados pelo uso de drogas. Com o trabalho de flanelinha ganha entre R$ 30,00 e R$ 40,00 por dia. Com o dinheiro compra comida, produtos de higiene e, quando sobra, roupas e lençóis. Com eles, vive um garoto de dez anos de idade. Os pais, que moram no bairro Bom Jardim, são usuários de crack e espancavam a criança. A saída encontrada para fugir da violência foi ter os logradouros públicos como lar.

Com a separação, a mãe de Josimar Gomes (18) vendeu a casa e abandonou os três filhos. O rapaz conta que não teve outra solução, a não ser viver a céu aberto. “Meu pai veio me buscar, mas não fui. Prefiro morar aqui (rua) do que enfrentar as brigas familiares”.
Todos dizem que não há vantagens morar nas vias públicas, mas os problemas “os obrigam” a ficar fora de casa. Eles tomam banho em uma torneira na rua mesmo.

POLÍTICAS PÚBLICAS
A Prefeitura de Fortaleza tem ações para pessoas em situação de rua. A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) disponibiliza o Programa Ponte de Encontro, voltado a crianças e adolescentes. É feita abordagem de rua e encaminhamento, posterior, para unidade de acolhimento temporário que funciona em regime de plantão durante 24 horas. Conta com educadores sociais que atuam na casa e em 24 áreas, entre terminais de ônibus, praças, orla marítima e comunidades.

Além disso, oferece espaços de acolhimento em caráter provisório destinado a adolescentes de ambos os sexos. Por mês, são realizados entre 400 e 450 atendimentos. A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) disponibiliza, para todas as idades, Espaço de Acolhimento Noturno que funciona das 18h às 7h. No local, as pessoas tomam banho, comem, dormem e participam de atividades recreativas. Também são encaminhadas para realizar procedimentos de saúde e para retirar documentos.

Os Centros de Referência de Assistência Social à População em Situação de Rua funcionam das 8h às 17h, no Centro e no Benfica. Existem ainda o Serviço Especializado em Abordagem de Rua (SEAR) e os aluguéis sociais. Esse último, em parceria com a SDH e a Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor). A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por meio do consultório de rua, vai até esses moradores para prestar assistência aos usuários de álcool e outras drogas, que têm resistência de ir ao posto de saúde.

O Governo do Estado também tem serviços. A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) atua em duas frentes. Existe o programa “Fora da Rua, Dentro da Escola”, em que os “amarelinhos” ficam em pontos da cidade para observar se crianças e adolescentes estão em situação de exploração. Há também o projeto “De volta para Casa”, em que 40 crianças realizam diversas atividades, entre recreativas e educativas. Também trabalha a reaproximação com a família. Aos sábados, participam do “Cavaleiros do Futuro”. A iniciativa, que consiste em equitação, conta com a parceria do Corpo de Bombeiros. Outras 26 crianças são monitoradas a distância, já que não quiseram participar do programa.

Esses 66 meninos e meninas, em situação de rua, foram descobertos pela STDS, por meio de pesquisa realizada em parceria com a Universidade Estadual do Ceará (Uece). O estudo entrevistou, entre abril e junho de 2008, 504 moradores de rua. Por faixa etária foram: nove crianças (0 a 12 anos), 67 adolescentes (13 a 18 anos), 335 adultos (19 a 59 anos), 17 idosos (acima de 60 anos), 11 crianças e adolescentes com idade ignorada e 65 adultos com idade desconhecida. Dos 504 entrevistados, 84,7% eram do sexo masculino e 15,3% eram do sexo feminino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário