Fortaleza: omissão e incivilidade nas calçadas


As calçadas representam, de fato, barreiras impostas para quem precisa caminhar, afrontando o direito de ir e vir das pessoas nas ruas da cidade


Por Sara Oliveira
saraoliveira@oestadoce.com.br

A referência de significado pode ser “caminho para pedestres”, porém, no Centro de Fortaleza, as calçadas representam, de fato, barreiras impostas a quem pretende caminhar . Transitar por apenas um quarteirão da rua General Sampaio, por exemplo, é um exercício de equilíbrio e paciência. Para idosos e deficientes, é quase impossível. Esta realidade contraria a legalidade de direitos e expõe uma problemática que inclui falta de consciência urbana da sociedade e omissão do poder público.

Eram 15h45 de uma quarta-feira. Virgínia Olinda Mota, 67, e seu esposo, Francisco Olinda, 84, em vez de dar passos, faziam dribles. Eles seguravam-se um no outro como se o chão tremesse. Devagar, prestando atenção para não cair. “Eu levei uma topada agora pouco que ainda está doendo”, disse Virgínia, justificando a atenção dos olhos voltados sempre para baixo. Cada passeio – calçada- precisa ter 1,20 m livre para circulação. Mas dezenas de cabides, expositores e balcões impedem que este dimensionamento seja real.

“O comércio no Centro impede o exercício do direito das pessoas, principalmente as com deficiência, de se locomover. O cidadão tem direito à cidade, portanto, poderia usufruí-la. Mas isso não passa de um faz de conta”, exaltou o membro do Grupo de Trabalho de Planejamento da Acessibilidade e Meio Ambiente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Ceará (Crea-CE), Fernando Zornitta. Ele fez críticas ferrenhas sobre a ação do poder público quanto à garantia de direitos em Fortaleza, e analisou a importância da conscientização social como fator transformador da triste caminhada de dona Virgínia e seu Francisco.

PROBLEMAS À ESPERA DE SOLUÇÃO
O descaso com a acessibilidade nos passeios do Centro da Capital, assim também como em outros logradouros, agrava-se por inúmeros buracos, sujeira, calçadas com mais de 30 cm de altura frente ao asfalto e canteiros que mais parecem crateras. Outro detalhe que chama atenção é o revestimento chamado de pedra portuguesa, que ladrilha muitas das calçadas do bairro. Apesar da beleza do mosaico, quando não há manutenção, o piso torna-se um fator perigoso para tropeços.

Fernando ressaltou que desde julho de 2007, “todas as cidades do Brasil deveriam ter calçadas adaptadas para acessibilidade”. Em 2010, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPE) firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto à Secretaria do Meio Ambiente de Fortaleza (Semam), Secretaria Regional do Centro (Sercefor) e o Fórum dos Idosos e das Pessoas com Deficiência (FID).

O acordo previa o levantamento das condições de acessibilidade existentes na área delimitada pelas ruas Pedro Pereira, Duque de Caxias, Visconde do Rio Branco e Floriano Peixoto. O TAC foi baseado no estudo realizado por Fernando Zornitta que, além do levantamento técnico e de urbanização, reuniu, em três anos, nove mil fotos que exibem as barreiras à acessibilidade. De acordo com Fernando, a Prefeitura se manifesta afirmando o cumprimento do acordo, “mas o que pode-se constatar é o contrário”.

A equipe do jornal O Estado procurou o procurador Luiz Eduardo dos Santos, que convocou a assinatura do TAC, porém, após várias tentativas, ele não atendeu às ligações. Junto à Semam, as informações obtidas dão conta de que o órgão é responsável apenas pela fiscalização quanto às placas e poluição sonora nas calçadas. A Sercefor não pôde disponibilizar informações, segundo a assessoria de comunicação, porque a representante do órgão estava em reunião.

Hoje, o 2o Seminário Estadual Calçadas Acessíveis discutirá a forma de organização das calçadas e as adaptações à legislação. O evento é uma iniciativa do Instituto da Cidade, CREA-CE e Universidade Federal do Ceará (UFC). O debate irá considerar o Decreto Federal nº 5.296/2004 e a Norma NBR9050, norteadora das questões inerentes à acessibilidade física. O evento acontece no auditório do CREA, na Rua Castro e Silva, 41, no Centro. As palestras serão traduzidas em Libras.

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