A Semana Santa já não é mais como a dos nossos pais

Artigo do professor Antonio Mourão cavalcante no blog dele
A procissão do Senhor Morto percorria a rua principal da cidade onde fui criança. Homens sérios, vestidos de roxo carregavam o esquife de Jesus. A igreja matriz não podia badalar os sinos. Apenas uma matraca, ressoava um tec tac de sofrimento e dor.
Às três da tarde, Cristo tinha dado seu último suspiro: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito.” Quando o cortejo passava, ficava impossível conter a emoção. Por toda cidade os fiéis acompanhavam o cortejo. Nenhuma brincadeira. Nenhum grito. Até as crianças compreendiam que aquilo era importante. Respeito e silêncio.
Estamos novamente na Semana Santa. Recordo, como um velho filme desbotado, as memórias daquele tempo. Saudades, porque tudo passou! São lembranças. Tudo parecia muito triste. Só conseguíamos vislumbrar o Cristo da dor. Para nós, a Ressurreição não tinha a mesma intensidade emocional da morte do Cristo. A Sexta-Feira da Paixão era emocionalmente mais forte do que o Domingo da Ressurreição.
Fomos catequizados com um catecismo ainda pontuado de dor e pena. Éramos culpados e pecadores. Tínhamos que expiar todos os males do mundo…
Não se pode falar que a religião entrou em desuso. Pelas notícias que recebemos doutras paragens do mundo, ocorre exatamente o contrário. Há uma ressurgência da fé. Ainda existem guerras em nome de Deus!
Mas, no Brasil, a crise religiosa parece muito evidente. A Igreja Católica perdeu espaço em seu papel de timoneira da fé. Os religiosos, com frequência, mostram-se enfadados de Deus… E a grande massa de fiéis, necessitada de referências, agarra-se ao primeiro apelo religioso que aparece. Precisamos de alternativas pastorais renovadas. Não há mais lugar para manifestações semelhantes às do passado. Claro, o mundo mudou.
Mas o que vamos colocar no lugar dessas imagens tão fortes que a minha memória teima em lembrar? Sei que aquilo tudo acalmava os corações atormentados. Estávamos plenos de fé: Cristo morreu na cruz para nos salvar!

* Antonio Mourão Cavalcante,
Médico, antropólogo e professor universitário.

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