Trabalhadores dos EUA temem efeito dominó de lei que limita sindicatos no Wisconsin


Sob um frio dos diabos em Chicago, Richard Bonzani (à esq.), eletricista: "Nos EUA, há uma guerra contra a classe média".
O estado norte-americano de Illinois, berço político do presidente Barack Obama, virou uma espécie de refúgio democrata em um Meio-Oeste dominado por governos republicanos desde as eleições de novembro do ano passado. Parlamentares de estados vizinhos se escondem aqui para evitar a aprovação de leis contra os sindicatos do setor público, enquanto ativistas locais partem para engrossar as fileiras dos manifestantes em Madison, capital do Wisconsin.

É lá que está o epicentro da batalha pelos direitos trabalhistas que vem agitando os Estados Unidos nas últimas semanas. Recém-chegado ao poder, o governador republicano Scott Walker apresentou um projeto de lei que busca limitar drasticamente o poder de negociação coletiva dos sindicatos que representam os funcionários estaduais, além de prever maior participação dos trabalhadores nas despesas com plano de saúde e aposentadoria.

A proposta foi aprovada pelos deputados estaduais, mas agora está empacada no Senado local. Em minoria, a estratégia adotada pela bancada democrata foi escapar para Illinois no dia 17 de fevereiro. Com isso viraram heróis de um movimento de protesto que chegou a reunir 100 mil manifestantes em Madison.

Os 14 de Wisconsin, como ficaram conhecidos, logo ganharam companhia, quando uma caravana de 37 deputados democratas de Indiana também veio buscar asilo em Illinois para evitar a aprovação de uma lei similar em seu estado.

Na última semana, a pressão aumentou para que os democratas foragidos voltem para casa. Os deputados republicanos de Indiana aprovaram uma multa de US$250 por dia a partir de segunda-feira. Já os democratas de Wisconsin correm o risco de serem presos e levados à força para o Senado assim que ultrapassarem a fronteira do estado.

Por sua vez, sindicatos de Illinois se mobilizaram para barrar a ofensiva conservadora: “Estamos fazendo tudo o que podemos para manter esse tipo de reforma ultrajante fora do nosso Estado. Não é apenas um ataque aos acordos de negociação coletiva e de aposentadorias, é um esforço do partido Republicano para tentar destruir os sindicatos”, afirma Michael Carrigan, presidente da seção estadual da American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations, maior federação de sindicatos dos Estados Unidos, que representa quase um milhão de trabalhadores em Illinois.

“Foi incrível ver as pessoas desfilando sem parar durante horas e horas com temperaturas negativas. O entusiasmo e o sentimento coletivo de um objetivo comum eram diferentes de tudo o que eu já vivi”, conta o professor de história Jackson Potter, 32, coordenador da equipe do Chicago Teachers Union, sindicato que representa mais de 30 mil professores da terceira maior cidade do país. A entidade levou um ônibus cheio de professores para apoiar os colegas do estado vizinho no último sábado (26).

“Há um projeto de lei em Illinois que tiraria grande parte do poder de negociação dos professores. Essa proposta ainda não foi apresentada, mas sabemos que é apenas uma questão de tempo. Então estamos muito preocupados e acho que é muito importante que membros dos sindicatos se reúnam e lutem uns pelos outros, como estão fazendo em Wisconsin”, afirma Potter.

O temido efeito dominó na verdade já começou. Além de Wisconsin e Indiana, um projeto de lei para restringir o poder de negociação coletiva dos sindicatos acaba de ser aprovado pelo Senado de Ohio.

“Existem atualmente 22 estados com propostas para reduzir, dificultar ou eliminar completamente o direito de negociar coletivamente para algumas categorias de funcionários públicos, geralmente os professores. Se isso pode acontecer no Wisconsin, com sua alta taxa de sindicalização e seu posicionamento político [Madison é considerada uma das cidades mais progressistas do país], acho que poderia ser usado como modelo em outros lugares”, afirma Robert Bruno, especialista em relações trabalhistas da Universidade de Illinois.

Concessões

Em Chicago, cerca de mil pessoas enfrentaram a neve que caía sem parar para mostrar sua solidariedade com os trabalhadores do Wisconsin em uma manifestação no centro da cidade no último sábado.

“Estamos todos aqui para mostrar nosso apoio aos trabalhadores, à classe média, aos pobres, a todo mundo que foi espezinhado durante tanto tempo. Se os trabalhadores perderem sua voz, nós perderemos nossa democracia”, disse Ary Carter, 31, artista plástica e cantora.

Para a professora Donna Wojcek, 44, “isso poderia acontecer em Illinois ou em qualquer outro estado do país. O governador Walker está tentando acabar com os sindicatos e calar a voz dos trabalhadores. Não é apenas uma questão de orçamento”.

Scott Walker defende que seu plano é necessário para cobrir um déficit de US$ 137 milhões e diz que se ele não for aprovado terá que realizar demissões em massa. Líderes sindicais do Wisconsin garantem que já aceitaram fazer concessões que permitiriam ao governo fechar o buraco no orçamento. Para eles, a insistência de Walker em enfraquecer os sindicatos no Estado é uma manobra política.

O movimento trabalhista nos Estados Unidos é composto em grande parte por empregados do setor público: mais de um terço deles pertencem a sindicatos, contra somente 6,9 % dos trabalhadores do setor privado. E os sindicatos são a maior fonte de recursos do Partido Democrata.

“Os sindicatos de funcionários públicos com certeza contribuíram muito para aumentar as despesas dos estados através de acordos coletivos que garantiram planos de saúde e aposentadorias”, afirma Kenneth Janda, professor de ciência política da Northwestern University, na região de Chicago.

“O governador do Estado do Wisconsin diz que os sindicatos públicos são privilegiados porque negociam com o governo. Mas as empresas privadas também tiveram dificuldades por causa de benefícios concedidos aos sindicatos no passado. Então o argumento que Walker está usando para defender sua posição é falso. O que ele realmente quer é destruir o poder dos sindicatos e assim aumentar as possibilidades de os republicanos serem eleitos para cargos públicos”, argumenta Janda.

Algumas categorias de servidores públicos que tendem a votar no Partido Republicano, como bombeiros e policiais, foram excluídos do projeto apresentado pelo governador do Wisconsin.

Os defensores mais ardorosos da proposta de Walker admitem claramente que o objetivo principal é neutralizar os sindicatos. Para o professor de direito da Universidade de Chicago Richard Epstein, “o ponto fundamental é que se você não limitar o direito de negociação coletiva, assim que a crise passar os funcionários públicos vão negociar para voltar à posição em que estavam antes”, afirma.

“Todo mundo concorda que é uma manobra política do Partido Republicano, mas a diferença é que é uma manobra justificada. Os sindicatos são poderosos demais contra o governo, e acho que são poderosos demais também no mercado privado”, explica. Epstein é membro do Hoover Institution, um think tank conservador, e próximo do Libertarian Party, cujo slogan é “um máximo de liberdade, um mínimo de governo”

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