Editorial bate na criação de conselhos de comunicação

“Teste para a liberdade de imprensa”,

Editorial de O Globo
São conhecidos os ingredientes do kit de inspiração bolivariano-chavista de cerceamento das liberdades de expressão e, em particular, de imprensa.
Nos mais diversos estágios, o kit é aplicado no Equador, Bolívia e Argentina. No seu lugar de origem, a Venezuela, foi fácil instituir normas restritivas ao trabalho da imprensa depois que a oposição, num enorme equívoco, decidiu não disputar as eleições legislativas de 2005, e permitiu ao caudilho Hugo Chávez controlar o Legislativo. Manietar a Justiça terminou sendo uma decorrência natural.
No Brasil, a primeira parte do método de instituição de mecanismos estatais de vigilância da imprensa independente, profissional, já foi aplicada, na forma da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) — como em outros países —, na qual teatralizou-se a participação da “sociedade” em reuniões regionais para o recolhimento de sugestões de normas de “controle social da mídia”. Na verda de, toda esta mobilização, executada sob os auspícios do Planalto, serviu para que militantes variados — sindicais, partidários, de organizações ditas sociais — defendessem conhecidas teses usadas para justificar a censura sobre a imprensa e a produção cultural, sempre em nome da “democracia”.
Na Argentina, por exemplo, saiu dessas rodadas de “consulta popular” a famigerada Lei de Meios, inspirada pela Casa Rosada com o objetivo de destruir a estrutura empresarial dos dois mais fortes grupos independentes de comunicação do país, “Clarín” e “Nación”. Sob a justificativa de se reduzir a concentração de propriedade na mídia, investe-se contra a diversificação dos grupos, forçando-os a vender canais de TV e rádio, eficiente maneira de restringir a multiplicidade de anunciantes das empresas, razão direta de sua independência.
Quanto menos diversificados os grupos, entre as diversas plataformas de difusão de informações, mais dependentes de verbas públicas — e menos livres. Parte da lei já foi suspensa na Justiça.
A novidade no Brasil é a adoção de sugestões da tal Confecom em alguns estados. Na semana passada, de autoria de uma deputada estadual do PT, Rachel Marques, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou projeto de criação de um conselho, ligado à Casa Civil do governo, para fiscalizar a imprensa, nos moldes da Confecom. Cabe ao governador Cid Gomes (PSB) decidir levar adiante, ou não, a ideia, sem dúvida inconstitucional.
Conselho idêntico está em gestação na Ba-hia estado governado pelo petista Jaques Wagner, reeleito no dia 31. Sua Secretaria de Comunicação, porém, garante não haver intenção de amordaçar a imprensa. (Ora, basta manter a proposta na gaveta). Até em Alagoas, estado tucano, em que o governador Teotônio Villela disputará o segundo turno com Ronaldo Lessa (PDT), existe algo semelhante.
Nem São Paulo escapa: lá também há um projeto em tramitação.
Embora de total fragilidade jurídica, estas investidas regionais são um desafio ao próximo presidente, seja ele Dilma Rousseff ou José Serra, defensores declarados da independência da imprensa, subscritores da Declaração de Chapultepec, carta de princípios em defesa da liberdade de imprensa aprovada por representantes do setor de comunicações das Américas. Os dois sabem que uma das mais importantes missões do jornalismo é fiscalizar as ações do Executivo e do Legislativo.
Portanto, não pode ser controlado por eles.

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