IJF: enfermaria superlotada


Envio indiscriminado de pacientes do interior é a causa do problema. Apenas 38% são de Fortaleza
Por Sara Oliveira
saraoliveira@oestadoce.com.br

O pedido de “socorro” de dois diretores do Instituto Dr. José Frota (IJF) reflete a precariedade do sistema de saúde público na Capital e, principalmente, da ineficácia da Central de Regulação Estadual do Sistema Único de Saúde (SUS). Pacientes em macas no corredor, desmarcação de cirurgias e cenas de descaso com a saúde pública podem ser observadas dentro da unidade. Para a gestão do hospital e os médicos que lá trabalham, o problema é antigo e repetitivo: superlotação resultante do envio indiscriminado de pacientes do interior do Estado. Atualmente, no IJF, apenas 38% das pessoas atendidas são de Fortaleza. Como resultado dessa situação alarmante, o diretor clínico, Fred Arnauld, e o diretor da emergência, Rommel Araújo, deixaram seus respectivos cargos.
Os números citados pelo superintendente do hospital, Messias Barbosa, traduzem uma cena corriqueira, porém, inadmissível. Com apenas 34 leitos, a enfermaria do IJF comporta 115 pacientes. Na ala onde está escrito “Acolhimento” e “Recepção”, as cadeiras de espera foram amontoadas e deram espaço a cerca de 18 macas. Doentes acamados, acompanhantes, comida e sondas dividiam o mesmo espaço e a afirmação de uma das funcionárias sobre a presença da equipe de reportagem era: “não podemos expor nossos pacientes”. Ontem, de acordo com Messias, 30 leitos do espaço térreo, que estava em reforma, foram inaugurados, com a intenção de reduzir a lotação da sala de recuperação, que hoje está com 20 pacientes além do seu limite.

Messias explicou que a saída de Fred Arnauld foi devido à incompatibilidade de agenda e que Rommel Araújo “ficaria até dois anos caso fosse preciso, pois sua dedicação à saúde é grande”. Ele disse ainda que a estrutura física e da equipe médica está a contento, porém, o hospital “não aguenta mais um número tão alto de pacientes”. Segundo ele, os últimos três meses foram o grande estopim para a superlotação de hoje, caracterizada pela presença de pacientes fora do perfil do IJF. Ele informou que tem havido uma redução significativa de atendimento nos últimos anos. “Para se ter uma ideia, em agosto de 2010, mais de 16 mil pessoas foram atendidas, no mesmo mês deste ano esse número baixou para 12.616”, especificou. Em contrapartida, o superintende do IJF acrescentou que, nesse mesmo período, a porcentagem de atendimentos do interior passou de 48% para 67%.

POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Messias Barbosa afirmou que uma equipe visitará, hoje, as enfermarias da unidade a fim de detectar pacientes que estejam há mais de 76 horas aguardando em macas. “Esse é o prazo para definir qual o destino de pacientes com trauma crânioencefálico (TCE), que é o responsável pela maioria dos nossos atendimentos. Se essa vistoria, conseguir 50% de evasão do interior já será muito importante”, avaliou. O médico ressaltou que o funcionamento do prédio do hospital Boghos Boyadjian, na Aldeota, seria uma das opções para a solução do problema enfrentado. “O prédio está totalmente equipado para receber pacientes, até na próxima segunda-feira”, afirmou. O local teria capacidade de 150 leitos e duas unidades de Centro Cirúrgico, mas entraves burocráticos impossibilitam esse suporte.

“Estamos há mais de 20 anos na luta para mostrar que gente esperando em maca não é natural. Tem de haver uma solução agora e não a longo prazo. Se eu tivesse o poder público, ‘pegaria’ todos os pacientes que estão nos corredores e os colocava em outras unidades de saúde, fossem elas públicas ou particulares. Nossa saída do IJF foi resultado do descontentamento com a situação. Na verdade, foi um grito de alerta”desabafou Fred Arnauld. Para ele, mesmo que o Boghos Boyadjian comece a funcionar, decisão que já se arrasta há três anos, serão necessários cerca de seis meses a um ano para ser organizado.

De acordo com Fred, a politicagem que faz com que candidatos do interior cedam carros para trazerem pacientes fora do perfil ao IJF é um agravante da superlotação, mas é a desorganização do sistema que acarreta essa penalização ao paciente. “É preciso haver definição política federal, estadual e municipal. Quando os grandes hospitais do interior começarem a funcionar, se não houver controle, os pacientes continuarão a chegar em Fortaleza”, ponderou. O ex-diretor clínico do maior hospital de urgência do Ceará disse que unidades como o Hospital da Polícia, Santa Casa de Misericórdia e Hospital Batista poderiam receber o excesso do José Frota. “A solução está fora do IJF”, frisou.

À ESPERA
O mecânico Jocélio Pereira de Lima, 22, chegou ao hospital no dia 1º de setembro. Ele sofreu um acidente de moto em Beberibe e aguarda uma cirurgia. A acompanhante de Jocélio, Oliviane da Costa Lima, disse que o doente está esperando uma vaga para passar pelo processo cirúrgico. “Ele teve perda encefálica e o médico falou que não tem espaço na enfermaria pós-cirúrgica [Sala de Recuperação]. Estamos numa sala com mais de 150 macas. O pior é que ele fez a tomografia e o mesmo médico disse que o estado dele é grave e que a cirurgia tem de acontecer o mais rápido possível”, disse.

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