Aos que bebem

Airton Monte
Ontem à noite, quedava-me eu a ler, embevecido, a obra prima do poeta Guillaume Apollinaire, belamente intitulada Álcoois. Este impávido bardo é considerado o mais original, profundo e versátil dos renovadores da poesia francesa no primeiro quartel do século passado. E apesar de ter bebido todas, Apollinaire morreu em Paris no dia nove de novembro de 1918, vitimado pela gripe espanhola. Súbito, catei estes versos que se fixaram em minha sambada memória: “Mas conheci então o sabor do universo/Estou bêbado de ter bebido todo o universo/No cais donde eu via correr a água e dormir as barcas/Escutem-me eu sou a garganta de Paris/E beberei ainda se me apraz o universo/Escutem meus cantos de universal bebedeira”.
Não é por acaso que Apollinaire se tornou um dos meus poetas prediletos e guardo por ele uma feroz admiração sem tamanho e sem fim. Também, pudera. Trago a boemia impressa nos meus genes pelo sêmen de meu pai. Desde os meus dezessete anos que sou um boêmio contumaz e renitente, além de ser o mais humilde dos escravos da Beleza. Hoje, infelizmente, no vigor um tanto alquebrado das minhas sessenta e uma primaveras, fui forçado, por ordens médicas, a me transformar em um reles bebedor de cerveja sem álcool, após extirpar o empata-festa de um tumor hepático. Entanto, afora esta maldita interdição etílica, consegui permanecer o mesmo boêmio, amante da noite e das rodinhas de bar que sempre fui.
Apesar de muito me aprazer melar o sedento bico, jamais perpetrei o venial pecado de fazer apologia das bebidas. Beber, para mim, significa uma celebração da vida, um bate-palmas para as alegrias e, por vezes, um certo bálsamo para as tristezas. Nunca gostei de cultuar Baco solitariamente, mas docemente rodeado de amigos. Beber só pra ficar bêbado não é comigo. Embriagar-se não passa de uma casual decorrência do ato de beber. Saber beber bem trata-se de uma arte que se aprende com a experiência. E evita que o bebedor, por puro amadorismo, mergulhe, no amanhã, na terrível armadilha da ressaca, com aquele gosto acre de fundo de gaiola na boca.
A ressaca está para o de beber assim como a indigestão para o de comer. Sei que há inúmeras receitas consideradas infalíveis para terçar armas contra a ressaca, embora nenhuma delas realmente funcione de modo cientificamente comprovado. Porém, nem tudo está perdido. Resta uma esperança nesta original panaceia recomendada pelo amigo Narcélio dos Anjos, popularmente conhecido como o “Comandante Sueco”. Num panelão, misture água de cacimba, 2 molhos de salsa carobo, duas colheres de sopa de breu, uma boa pitada de sal grosso, 10 gotas da última golpada da baba de um cavalo doido e três colheres do cuspe de um cururu viúvo. Bom avisar que após ingerir tal mistura, tem duas contra-indicações:beiju e traíra, nem triscar. Como achar um cururu viúvo? Não se preocupe. A “negada” sabe.

Airton Monte é médico, pisiquiatra, cronista, poeta, boemio e meu amigo de longa data. Juntos, assistimos a alguns bifes apanharem no Estoril até confessarem, já de madrugada, que eram filet.

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