Reportagem especial



"O Ceará está em boas mãos"

O empresário Ivens Dias Branco, controlador e presidente do Conselho de Administração do Grupo M. Dias Branco, recebeu a equipe do jornal O Estado e falou sobre a saga do seu pai, o empresário Manuel Dias Branco, que veio de Portugal para o Brasil na década de 1920; a evolução dos negócios do Grupo M. Dias Branco; dos planos para o ano de 2010; política e felicidade. Entre muitas histórias sobre o empreendimento iniciado pelo pai, ele garante que “o sucesso do grupo é conquistado com trabalho e amor”. Confira a seguir a entrevista completa.

O ESTADO: Como o seu pai, nascido em Portugal, decidiu vir para o Brasil?
Ivens Dias Branco: Meu pai, Manuel Dias Branco, saiu da Vila de Angeja rumo a Lisboa com 16 anos de idade. O primeiro emprego que conseguiu foi em uma loja de ferragens, onde ficou cerca de quatro anos. Era início dos anos 20, a Primeira Guerra Mundial havia terminado há pouco e a Europa sofria dificuldades econômicas e sociais. Incentivado por um amigo que partira para os Estados Unidos, meu pai inscreveu-se na embaixada americana, pois o país necessitava de mão-de-obra, tendo em vista a aceleração econômica da época, facilitando, inclusive, a imigração portuguesa. Decidido a deixar Portugal, foi despedir-se dos pais. Meu avô concordou com sua atitude de deixar o País, pois Portugal naquele momento realmente não tinha muito a oferecer. Contudo, discordou do destino, convencendo-o a seguir para o Brasil. Dentre os argumentos, pesou o fato de considerar o Brasil uma segunda pátria, com a vantagem de falar o mesmo idioma e não ter tantas divergências culturais, além de poder contar com um amigo bem sucedido que poderia ajudá-lo por lá. Convencido pelo meu avô, meu pai desembarcou no Brasil no ano de 1926, em Belém. Não se adaptando ao clima, apanhou uma forte gripe e, por recomendações médicas, foi tratar-se em Guaramiranga, no Ceará, mudando-se, em seguida, para o Cedro.

O.E: Qual a sua história inicial de empreendimento familiar no Ceará?
IDB - Eu nasci em Cedro, região Centro-Sul do Ceará, onde meu pai começou suas atividades. No início ele era corretor de algodão, empregado de uma empresa. Viajava pelo interior fazendo financiamento para os plantadores de algodão e depois recolhia a safra. Percebendo a oportunidade, montou em Cedro um pequeno armazém de secos e molhados, paralelamente à sua atividade de corretor. Encontrando-se com um amigo em Fortaleza, de nome José Pinho, foi induzido por ele a montarem uma padaria em sociedade, ainda na cidade de Cedro, onde eram fabricados bolachas e biscoitos em uma produção semiartesanal. Os produtos eram comercializados em todo o interior do Estado. Devido a falta de estrutura da cidade, meu pai mudou-se para Fortaleza. A motivação maior da mudança deu-se pela própria precariedade do município, onde faleceram prematuramente seus dois primeiros filhos. Vendo que não constituiria família se permanecesse lá, decidiu tentar a sorte na Capital. Numa de suas viagens de trabalho ele conheceu o industrial Nestor Leite Filho, de quem, mais tarde, comprou a Padaria Imperial, situada na Avenida Visconde do Rio Branco. Anos depois construiu a Padaria Fortaleza, na Rua João Cordeiro. Nessa época já havia vendido os negócios que tinha em Cedro e se transferido definitivamente para Fortaleza. Trouxe ainda dois irmãos de Portugal para ajudar nos novos empreendimentos. Conseguiu também uma representação de farinha de trigo, comercializando farinha para as demais padarias e para as dele também. Com a evolução dos negócios ele adquiriu novas máquinas para a fabricação de bolachas e macarrão.

O.E: Como ocorreu a sua entrada para os negócios?
IDB - Em 1953, eu entrei para o negócio devido a cisão que houve entre meu pai e os irmãos. Eles resolveram separar os negócios. Meu pai era um grande comerciante, sempre comprou e vendeu durante toda a vida. Minha pretensão profissional era outra. Eu achava muito difícil e rústica a vida do meu pai, apesar de admirá-lo pelo grande trabalho que realizava. Ele nunca utilizava o termo indústria, sempre comércio. Disse-me que no comércio havia muita possibilidade da pessoa obter êxito na vida, desde, é claro, que tivesse capacidade de trabalho e inteligência. Senti aquilo como uma provocação inteligente. Na verdade, ele subjetivamente queria dizer-me: que se eu não segurasse aquela oportunidade, seria por preguiça ou ignorância. Eu aceitei o desafio e, em maio de 1953, fui trabalhar com meu pai no ramo de panificação. Eu desejava entrar para a universidade, mas refleti e obedeci ao meu pai.
Importamos um equipamento novo para produção de biscoitos em outubro de 1953. No ano seguinte, lançamos a bolacha pepita, que foi um sucesso! Trabalhávamos dia e noite, e fomos comprando mais equipamentos e ampliando as atividades de fabricação de bolachas. Hoje não temos mais padarias, elas se tornaram nossos clientes com a expansão da fabricação para indústria de alimentos.

O.E: Como o Grupo M. Dias Branco alcançou a marca de sucesso e tornou-se líder na produção de massas e biscoitos na América Latina?
IDB - O sucesso do grupo é conquistado com trabalho e amor. Acreditamos naquilo que fazemos e produzimos com excelência, isto é: possuímos pensamentos e estratégias definidas para superar os percalços da caminhada. A crença no trabalho, espírito confiante e dedicação, são armas poderosas para se conquistar os sonhos. Se não gostamos do trabalho que realizamos, passamos a nos sentir mal e desinteressados. Empresarialmente, o Grupo M. Dias Branco estimula continuamente o entrosamento entre os familiares que compõem a diretoria, seus executivos e todas as diretoras e diretores das empresas que formam o grupo. É imprescindível que todas as empresas estejam num compasso correto. Nós empregamos diretamente mais de 11 mil profissionais. Para que nossos funcionários tenham amor e compromisso com o trabalho é necessário motivá-los. A motivação é a nossa principal competência e razão do nosso sucesso.

O.E. Onze mil funcionários representam uma maior responsabilidade na tomada de decisões?
IDB – Pensando também nas famílias dos nossos colaboradores, resolvemos garantir o futuro do Grupo M. Dias Branco com a abertura do capital.

O.E: A busca pelo conhecimento específico faz parte de sua filosofia de vida empresarial?
IDB - Eu sempre gostei de ler e lia muito. Jamais entrarei num negócio sem entender. Busquei conhecimento sobre a indústria de alimentos e outros mais. As outras pessoas poderão ficar à frente dos negócios, mas eu quero também entender sobre a dinâmica da produção.
A necessidade de estar em outras atividades é nossa filosofia de trabalho. Queremos ganhar pelo investimento produtivo, pois ao produzirmos mais e melhor, geramos recursos importantes e oferecemos mais empregos.

O.E: A expansão dos negócios foi ocorrendo de que maneira?
IDB - Nós fomos comprando fábricas que já existiam. No entanto, preservamos as peculiaridades delas, de modo que não impusemos outras marcas quando são líderes na sua região. Passamos sim, a introduzir novos produtos.
A Fábrica Fortaleza é líder no Nordeste brasileiro. Nosso mercado de expansão é a América Latina. Temos muito campo ainda nesse mercado e no Brasil. Quanto mais as pessoas tiverem poder de compra adequado, mais avançaremos no nível de consumo brasileiro.

O.E: Qual a abrangência dos empreendimentos do Grupo no Ceará e no Brasil?
IDB - Com a aquisição do Grupo Adria em 2003, composto pelas empresas Basilar (Jaboticabal-SP), Isabela (Bento Gonçalves-RS), Zabet (Lençóis Paulista-SP) e Adria (São Caetano do Sul-SP), assumimos a liderança nacional no segmento de biscoitos e massas. A compra da Vitarella, em 2008, consolidou ainda mais a nossa liderança no mercado. Atualmente somos líderes na fabricação de massas e biscoitos na América Latina. Atuamos ainda nos ramos de moagem de trigo (Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Paraíba), refinaria de óleos, gorduras e indústria de margarina, além dos setores imobiliário e de hotelaria. E entraremos brevemente no setor de cimentos.

O.E: Já alcançamos níveis ideais de renda, desenvolvimento econômico e solidez democrática?
IDB - O Brasil, com 190 milhões de habitantes, não possui ainda renda per capta ideal e compatível com o primeiro mundo. Entretanto, o consumo tem aumentado significativamente e quem produzir aqui, por certo fará bons negócios. O Brasil atravessa uma boa fase econômica e financeira. A população que se encontrava na faixa de miséria está diminuindo.
É mérito também da personalidade do presidente Lula. Ele é um excelente líder. Um político competente que tem se empenhado em escolher sua equipe e delegar bem. Nós estamos num processo econômico sem volta. O difícil foi começar. O governo Lula implantou diretrizes bastante sólidas e promissoras. A conjuntura política está bem implantada, portanto, a continuidade será mais fácil. O povo brasileiro não aceitaria retrocessos. Eu acredito numa continuidade do desenvolvimento brasileiro.

O.E: Qual a sua opinião a respeito do Governo do presidente Lula?
IDB - Felizmente, nós estamos num bom momento. O Governo Lula que inspirou desconfiança no inicio do primeiro mandato, hoje demonstra grande reconhecimento por todos aqueles que fazem parte da economia brasileira e internacional. O Brasil conseguiu conquistar credibilidade internacional fantástica. O presidente Lula foi muito pragmático. Quem poderia imaginar Henrique Meireles como presidente do Banco Central? Ele foi presidente do Banco de Boston, um político de extrema direita. O resultado hoje da política monetária são mais de 200 bilhões de dólares de reserva internacional. Depois de tantas décadas como devedor, o País tornou-se credor do Fundo Monetário Internacional (FMI). O afluxo de capital estrangeiro que está entrando no Brasil é fantástico! O investidor de fora reconhece a segurança política que o Brasil tem demonstrado com uma democracia estruturada que respeita suas entidades organizacionais cujos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário atuam com equilíbrio.

O.E: E o Ceará?
IDB - O Ceará está em boas mãos. Cid Gomes é um bom governador. Ele é um homem inteligente e muito dedicado.

O.E: Por que o senhor não adentrou à política?
IDB - Se eu tivesse entrado na política não teria sido o homem que sou hoje. A política tem muitos meandros que exigem bastante paciência. O presidente Lula tem tirocínio político. Se me deixarem trabalhar, eu trabalho. Agora, não me chamem para “costurar” acordos. Os políticos sabem fazer isso. Eu seria um péssimo político.
As ferramentas atuais de trabalho são diferentes. A pessoa é vitoriosa desde que tenha talento e disposição para o trabalho. Essa é a minha política. Existem as ferramentas da informatização que tornam as informações mais rápidas e menos arriscadas. Antigamente, os empresários guiavam-se pela sensibilidade, o chamado “feeling” pelos americanos.

O.E: Quais os seus planos para 2010?
IDB - Nosso planejamento para 2010 já está traçado. Eu estarei à disposição do Grupo como consultor. Nós nos reuniremos semanalmente e sempre que eles me solicitarem pretendo estar presente. Quando somos mais jovens, nosso organismo suporta muitas lutas, avalanches e preocupações. As surpresas ora são agradáveis, ora são desagradáveis. Com o passar dos anos isso se torna inconveniente, é como se estivéssemos nos violentando. Devemos então, delegar responsabilidades aos familiares e executivos das empresas do Grupo.

O.E: Qual seu conceito de felicidade?
IDB - A paz interior e a paz com os outros.

Deu no Jornal O Estado

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