Legislação que permite casamento homossexual enfrenta dilema


Peter Steinfels
O movimento para legalizar o casamento homossexual em New Hampshire encontrou um obstáculo. O governador John Lynch, democrata, disse na semana passada que só aprovaria a lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo se ela incluísse um novo texto, aumentando a proteção para instituições religiosas que podem ser contra o casamento homossexual.
Na quarta-feira (20), a Assembleia Legislativa do Estado rejeitou a emenda. Então, por enquanto, o assunto está em suspenso em New Hampshire.
Mas qualquer que seja o resultado, pode ser que Lynch tenha dado um avanço ao debate sobre o casamento homossexual, pelo menos ao isolá-lo da questão de como ele afeta os grupos religiosos.
Os especialistas vêm debatendo essa questão há tempos, e alguns deles estão pressionando os Estados que cogitam aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo para que incluam uma proteção forte para as organizações religiosas. Alguns deles sugerem até mesmo proteção para indivíduos e pequenas empresas que oferecem serviços de casamentos - como fotógrafos, floristas, bufês, padarias, planejadores de casamentos, músicos, entre outros. O argumento é que esses indivíduos e empresas podem ter objeções religiosas em relação ao casamento homossexual, e podem acabar se expondo a multas consideráveis ou penalidades duras de acordo com os estatutos contra a discriminação.
As deliberações de New Hampshire podem ter implicações em Nova York, onde a legalização do casamento homossexual está prestes a ser aprovada sem o tipo de proteção para grupos religiosos que Lynch demandou. A experiência de New Hampshire pode afetar também os debates atuais em Rhode Island e no distrito de Columbia, ou até mesmo na Califórnia, se a Suprema Corte de lá decidir, na semana que vem, mudar completamente a Proposição 8, emenda constitucional aprovada em novembro passado que proíbe o casamento de pessoas do mesmo sexo, ou então dar respaldo legal aos 18 mil casamentos homossexuais que foram realizados antes de novembro.
Oponentes do casamento gay costumam argumentar que sua legalização ameaça penalizar os clérigos que se recusam a oficiar essas uniões ou que pregam contra elas. Os especialistas em direito rejeitam esses alarmes quase que unanimemente. As recusas por parte dos clérigos de oficiar os casamentos, alegando motivos de doutrina religiosa, dizem eles, são solidamente protegidas pela Primeira Emenda.
Mas não é aí que reside o verdadeiro problema. Qual seria o impacto de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo sobre uma ampla variedade de instituições religiosas?
Será que as universidades católicas que hoje oferecem moradia para casais heterossexuais teriam que acomodar casais do mesmo sexo? Será que as igrejas ou sinagogas usadas para recepções de casamentos teriam de estar igualmente disponíveis para celebrações de casamentos entre pessoas do mesmo sexo? Como as determinações que proíbem a discriminação quanto à situação matrimonial afetariam o emprego e as políticas de benefícios públicos ou os serviços de adoção? Um deles, o Catholic Charities de Massachusetts, foi suspenso depois que o Estado legalizou o casamento homossexual e ordenou que o grupo desse crianças para casais gays.
Vermont e Connecticut resolveram pelo menos algumas dessas questões em projetos de leis recentes que legalizam o casamento homossexual.
Religiosos contrários a esses casamentos, dizem as leis, "não devem ser obrigados a fornecer serviços, acomodações, vantagens, infraestrutura, bens ou privilégios" se o pedido "estiver relacionado à oficialização ou celebração de um casamento."
Connecticut também ampliou as proteções às agências de adoção religiosas, e Lynch citou outras isenções relacionadas a aconselhamento, cursos, retiros e acomodação por parte de instituições religiosas.

E quanto aos indivíduos autônomos ou pequenas empresas que oferecem serviços para casamentos - os "pequenos", como denomina Robin Fretwell Wilson, professora de direito na Universidade Washington e Lee.

Ela é uma das editoras de "Casamento de Mesmo Sexo e Liberdade
Religiosa: Conflitos Emergentes" (Rowman & Littlefield, 2008), e participa de um grupo de estudiosos de direito que pressiona os Estados que consideram legalizar o casamento homossexual para que incluam proteções "robustas" à consciência religiosa.

Esses acadêmicos têm visões diferentes quanto ao casamento entre pessoas de mesmo sexo. Wilson, por exemplo, não tomou uma posição a respeito, enquanto Douglas Laycock, outro editor do livro e um analista experiente das questões de liberdade religiosa da Primeira Emenda, o apoia fortemente. Ele considera esse apoio compatível com a defesa que faz das isenções religiosas. Elas são "proteções paralelas", acredita, "para alegações bastante similares de liberdade individual em relação a temas essenciais para a identidade pessoal".

Na carta que escreveram para autoridades de Nova York, Laycock apontou que não é "do interesse da comunidade gay e lésbica criar mártires religiosos ao defender o direito de casamento homossexual".

Segundo ele, "é muito melhor respeitar a liberdade de ambos os lados e deixar que o casamento de mesmo sexo seja implementado com o mínimo de confronto".

Mas qual é exatamente o potencial de confronto? Marc Stern, conselheiro legal experiente e hoje co-diretor executivo do American Jewish Congress, acha que há múltiplas possibilidades, e juntou-se a Laycock para escrever às autoridades de Nova York.

Muitos Estados já têm uma série de leis barrando a discriminação por orientação sexual no emprego, habitação, serviços de profissionais autônomos e acomodações públicas. Algumas dessas leis têm isenções religiosas, outras não. Legalizar o casamento de mesmo sexo pode aumentar e complicar essas isenções, criando a possibilidade de litígios caros, dizem alguns defensores da proteção irrestrita para os religiosos contrários.

Ou talvez não. Dale Carpenter, que é professor da Escola de Direito da Universidade de Minnesota e um defensor conservador do casamento homossexual, acredita que a experiência recente com ambos os tipos de casamentos de mesmo sexo, uniões civis ou determinações simples contra a discriminação por orientação sexual, mostram pouquíssimos "conflitos legais entre casais homossexuais e entidades religiosas contrárias".

Mas isso deixa em aberto a questão de quando é que o pouco se torna muito. E se a abrangência do assunto é incerta, por que não errar para o lado de proteger a consciência religiosa?

Uma razão óbvia para os que defendem o casamento homossexual é a preocupação de que as isenções religiosas possam impedir que os casais de mesmo sexo obtenham os serviços de casamento que precisam, incluindo até mesmo uma licença para se casar expedida por um oficial local.

Reconhecendo esse perigo, Wilson e seus colegas disseram na carta que os funcionários do governo devem ser proibidos de "agir como um obstáculo para o casamento homossexual". Esses acadêmicos também não aceitam recusas religiosas de serviços relacionados aos casamentos quando os casais de mesmo sexo possam passar por um "sofrimento considerável", e não apenas "mera inconveniência ou prejuízo simbólico", quando não há outros serviços similares ou acomodações disponíveis.

A linguagem que esses acadêmicos elaboraram para equilibrar essas preocupações divergentes é bem menos eloquente do que "na saúde e na doença" e "até que a morte nos separe", da mesma forma que o texto que Lynch enviou para a Assembleia estadual. Talvez os legisladores de Nova York e outros lugares possam melhorar isso. Seria frustrante se eles nem ao menos tentassem.

Tradução: Eloise De Vylder

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